
O post anterior surgiu de um acontecimento concreto, a partir do qual ousei tecer algumas generalizações. Do mesmo modo que existem, pelo menos dois sentidos, virar ou seguir frente, também o protagonismo do movimento é, pelo menos, duplamente partilhado Contudo, tendo aflorado a questão, não me cheguei a colocar do outro lado. Se calhar, porque tenho a ideia de que lá não estive muitas vezes… Admiro a persistência, a determinação e a tenacidade com que algumas pessoas perseguem, um ideal, um objectivo, o ser amado... Curiosamente, não é assim que me vejo…
Na deambulação pelas obscuras vielas em que se estabelecem as relações humanas, trocam-se sinais. Socorremo-nos deles para tentar demonstrar um interesse, ora vago, ora ligeiro, ora intenso, ora arrebatador… (depende do ponto em que se encontra a relação que se cozinha). Simultaneamente, procuramos decifrar os sinais que o outro nos envia. As operações são concomitantes, concorrentes, convergentes, antagónicas, simbióticas, mas sempre delicadas, complexas e, sobretudo, incertas. Anos a fio a tentar falar em comum e não há acordo ortográfico que valha à miríade de dialectos que por aqui pulula. Nesta caótica torre de Babel, para mim, a possível e provisória resolução passa por criar uma verdade própria que se alicerça na força das declarações produzidas e no capital de confiança que lhes deposito. Então, estas declarações têm um valor fiduciário. Por si só, elas nada valem, apenas adquirem valor, porque a minha fé sabe que elas se trocam por um capital de afecto, desejo, amor, etc. Naturalmente, o mercado é sujeito a enormes flutuações e este valor oscila também em função de inúmeros acontecimentos. Declara-se o crash, a falência e a crise quando, procurando trocar os títulos pelo seu valor facial, percebemos que não passam disso, declarações nominais, sem real liquidez e valor de troca.
Mais uma vez, assim dito, parece fácil… Contudo, no jogo dos sinais tudo se complexifica na regra dos porquês: "ao mesmo tempo que se interroga obcecadamente por que motivo não é amado, o sujeito apaixonado vive na convicção de que, na verdade, o objecto amado o ama mas não o diz” (R. Barthes). Neste jogo, ridicularizamo-nos com muita facilidade. Sou a prova viva disso…
Por alturas do Dia dos Namorados, tendo-se já finado o meu, embora eu ainda não o houvesse decretado no Diário da República do coração e habitasse num vazio legal que teimava em não regulamentar, acontecia o seguinte: a outra parte emitia sinais. A pessoa em causa, apresentava-se no Messenger, acompanhada de legendas que eu, porque ainda amava, me julgava serem dirigidas. Andei a ruminar naquelas legendas (eu, avisei que era ridículo) durante uma semana e o corolário do ruminanço ocorreu no dia 14 de Fevereiro. Saindo de casa de manhã, pensando “hoje é um belo dia para a emissão de mais um sinal que será, sem dúvida inequívoco”, volvidos alguns metros, aproximo-me de uma rotunda onde se edifica um viaduto. Aí, um lençol branco prendia a minha atenção, bem como a de todos os automobilistas. E como uma profecia que se cumpre, à força de tanto a desejarmos, lia-se uma frase que, porque eu queria, me julguei ser dirigida. A mensagem aparecia assinada, mas quis o vento (e o destino, pensei) que o lençol se dobrasse estrategicamente após a primeira inicial, ocultando as restantes letras. O vento balançava aquela frase naquele viaduto, tal como a minha vontade a fazia oscilar em mim, todo dia…aquela inicial: C.
Era, no mínimo contraditório (para não apelidar de insano), eu “julgava sofrer por não ser amada e no entanto sofria, porque julgava sê-lo” (R. Barthes). Eu desejava ler naqueles proto-sinais um “fica... não vás... amo-te”. Felizmente (ou não) deixei-me estar, convicta de que a comunicação deveria escorrer por outros canais que inequivocamente me fossem dirigidos. Como tal não acontecia, enchi-me de coragem (ou simplesmente perdi o medo de ser ridícula) e, no dia seguinte à noite, estacionei na rotunda à espera que o vento me acompanhasse naquele exercício de desocultação onde, amargamente, um Custódio qualquer se revelou apaixonado…
Conhecendo-me um pouco, sei que um “ele ama-me” vagamente intuído em cantos dispersos do quotidiano, onde se catam olhares, gestos e palavras, não me basta. Sei que, a partir desse ponto, mergulharei na espiral da quantidade: "porquê só um pouco, como é que só me ama um pouco? Eu disse gosto muito de ti e ele diz eu só gosto de ti”… Seguindo-se a vertigem nominalista, “se ama, por que é que não o diz de uma vez por todas?”
