quinta-feira, 20 de março de 2008

De bestial a besta

Um pequeno incidente de (in)comunicação ocorrido num barzito aqui, do burgo, fez-me relembrar a velha máxima que sintetiza a facilidade com que, no futebol (mas, não só...), passamos de bestiais e bestas...

Sábado à noite, eu, duas amigas e um amigo. Dois de um lado da mesa e os outros dois do lado oposto, cinzeiro no centro (sim, pode-se fumar) e muita conversa em circulação. Eu estava de costas para as restantes mesas no espaço, portanto, apenas via os dois amigos que estavam à minha frente.
Ora, à custa de andar a puxar a porra da mala pelas Lisboas e pelos comboios e pelos táxis e mais sei lá o quê, dei um jeito às costas que, nesse dia, praticamente me imobilizava (na realidade, é apenas velhice precoce localizada na zona lombar e, foi-se a ver, não era assim tão grave, porque nesse dia fiquei a dançar até às 7 da matina). Bom, ao fim de algum tempo procurando uma posição mais confortável (ou menos dolorosa, consoante as perspectivas), sou obrigada a voltar-me para as restantes mesas do bar e para o imberbe grupo de gralhas que estava mesmo ali ao lado. Ajeitado o reumático, verifico que dois miúdos desse grupo, me olhavam fixamente com ar divertido. O olhar era tão ostensivo que igualmente os fitei. Pois, para minha grande surpresa e estupefacção, um deles (por acaso, era o mais engraçadito... menos mal): inclina o tronco ligeiramente para a frente, esbugalha lentamente os olhos, encurrilhando a testa, entreabre os lábios e... PÕE A LÍNGUA DE FORA!
Eu observava-o agora com espanto, perplexidade e uma ponta de desprezo, enquanto pensava: "esta agora, o que é que o raio do puto quer?!?". O compincha da criatura, adivinhando o meu pensamento e percebendo que eu não falava "aquela língua", resolve traduzir: "ah, e tal... chamaste a atenção do meu amigo!”. Pois, claro, então não é evidente! Pedagogicamente, respondi-lhe, "Ah, está bem. Mas, devias pensar em domesticar o teu amigo primeiro, antes de o deixar sair à rua e interagir com pessoas”.
A custo (porque me doíam as cruzes), voltei-me novamente para a minha mesa. Breves instantes passaram e um zum-zum adensava-se nas minhas costas (e não era o reumático, que ainda não estou nesse ponto de chiar dos ossos). Voltei-me novamente, olhando as mesmas criaturas. Desta feita, era o mais engraçadito quem falava. O episódio incial provava que o gato não lhe tinha comido a língua, contudo, constatava agora que alguma coisa lhe havia carcomido a zona do cérebro responsável pela função linguística. Eu juro que prestei atenção, mas não encontrei a ponta do novelo daquele raciocício: “não sei quê, porque eu sou gajo, e eu tu fosses gajo eu falava contigo de outra maneira, mas como és gaja… porque se fosses gajo, como eu sou gajo, a gente resolvia a coisas de outra forma...”. Consciente das minhas limitações de género, declarei, “ok, se eu fosse gajo, tu falavas comigo. Mas, como vês, não sou. Por isso, é inútil prosseguirmos”.
Voltei-me para a mesa, passaram uns momentos e nova investida. De entre as vociferações que as criaturas proferiam houve uma que se revelou crucial: “ah e tal... és feia, és mesmo feia...”. Eu achei graça, mas curiosamente perante aquela frase os meus amigos mobilizaram-se (acho que não queriam ficar mal falados, com fama de se fazerem acompanhar por uma rapariga mesmo feia). Foi perante o único gajo que estava na mesa (que por acaso tem 1,90 cm) que ele se explicou e que eu fiquei a compreender:
Ah e tal, já estava aqui há algum tempo e a tua amiga chamou-me a atenção, achei-a, prontos, engraçada e gostava de a conhecer.”
Hummm, eu tenho andado um bocado arredada destas lides, mas desde quando é que por a língua de fora deixou de ter uma conotoção trocista e infantil e passou a ser utilizado como um cumprimento, um elogio (naturalmente, reporto-me à idade adulta, o jardim de infância e a escola primária não contam)?

É sabido que, no futebol, equipa que ganha, tem um treinador bestial. Mas, se a mesma equipa, com os mesmos jogadores e com a mesma táctica perde, defraudando as expectativas dos adeptos, o mister é indiscutivelmente uma besta. Já me tinha esquecido que no jogo do engate rasteirinho é a mesma coisa. Num espaço cheio de gente, há uma pessoa que, por algum motivo (bem, na verdade estamos a falar da vertente rasteirinha, por isso, normalmente não são os lindos olhos...) prende a nossa atenção. Se vamos até lá e a coisa corre bem: bestial. Se levamos para trás: ganda vaca, tem a mania qué boa, mesmo feia... Besta!

Como diria o outro "e eu qui sô ruim? eu qui sô mau treinadô?"

5 comentários:

Ritititz disse...

"Homem" ressabiado é do pior! E sim, usei as aspas porque Homem sem aspas não põe a língua de fora para atrair atenções positivas para si!
Meninos, sigam este exemplo do que NÃO se deve fazer: nem línguas de fora, nem ressabiamentos, ok?

Anónimo disse...

'...eu não bati no minino...' :D

Teresa disse...

Sim realmente é verdade... Lol, se correspondermos somos bestiais, se não, somos as bestas.. assim como eles para nós... mas... mesmo assim... língua de fora com os olhos arregalados e testa puxada para tras??????? nunca me engataram assim... e se eu egatasse assim alguem... pensavam que eu tinha espasmos ou era anormal... complicado entender estas mentes =S

Ervi Mendel disse...

Pips e Teresia, vocês são irmãs? É que parece mesmo!

Clepsydra, desculpa estar a usar o teu blog para me meter com as raparigas (registe-se que sem recorrer à imortal técnica de pôr a língua de fora) mas uma Ervilha tem de fazer pela vida...

Bjs

Ervi

Clepsydra disse...

Por momentos (muito breves, é certo...), ocorreu-me que eu talvez estivesse desactualizada das inovações vanguardistas na área do engate. Mas, parece que não. Fico bem mais tranquila :)

PS - Ervi, mi casa es tu casa e eu sou muito sensível à necessidade das ervilhas, bem como as restantes leguminosas, fazerem pela vida...