sábado, 21 de junho de 2008

Muita parra...

Semana intensa, a que se avizinha, com, quase certa, ausência internética (ela já tem andado intermitente, mas isso são contas de outro rosário...):
- Fim de semana: ver jogos do euro. Tenho de arranjar uma equipa adoptiva e não me consigo decidir. Pensei que seria a Croácia, mas os turcos trocaram-me as voltas (está decidido, serei turca no duelo meta-futebolístico Alemanha-Turquia). Hoje, serei holandesa e amanhã espanhola (que remédio... italiana é que jamais!). É muito difícil esta transmutação nacionalista...
- Na segunda-feira, serei tripeira, sem alho-porro, nem martelo, mas na rua até de manhã a festejar um santo, de sua graça, João.
- Na terça-feira, serei tripeira ressacada, sem alho-porro, com a cabeça a martelar, na cama até ser noite a amaldiçoar um santo, ou dois, ou três...
- Na quarta-feira e até sábado, serei alfacinha, em chato congresso profissional...

(E, contra todas as expectativas, pelo menos as minhas, este é o post número 100... shuif, shuif)

quinta-feira, 19 de junho de 2008

terça-feira, 17 de junho de 2008

Prioridades

A mudança e instalação na casa nova (já lá vão quase dois anos…xiiii) realizou-se em modo lento e solitário. Na altura, apetecia-me transportar cada uma das inutilidades que possuía e distribuí-las, pesando isoladamente as vantagens da sua localização. Os móveis e os electrodomésticos que não tinha iam chegando aos poucos em horas marcadas e em que a espera se fazia ânsia doce. Nas primeiras semanas, não tive televisão. Mais, nas primeiras semanas, alimentava a mitomania que poderia passar sem ela: toda eu seria livros e dvd’s da colecção completa de Godard’s e Bergman’s… toda eu ia endoidecendo com tamanha erudição. Lá comprei a caixinha e, para meu grande espanto, quando chamei “uns senhores” para fazerem a ligação, percebi que o meu universo não se esgotava nos 4 canis nacionais, ele estendia-se inexplicavelmente a mais 40!!! Claro, que nunca fiz perguntas incómodas aos senhores da tv cabo, “atão há dois anos que isto dura e eu não pago nada?”. Não, preferi desconhecer os porquês e alimentar essa larga ligação ao mundo da AXN, da FOX… Até que, um belo dia, aparentemente igual aos outros, aconteceu! Sem um sinal, sem um aviso prévio, ela desapareceu totalmente deixando um irritante formigueiro no ecrã. Poderia ter sido uma saída em fade out, aos poucos, para eu me ir habituando: primeiro o canal Infinito, depois o Biography, a seguir o Porto Canal… Mas não, não houve uma carta, não houve um telefonema, um sms… Simplesmente, um dia desapareceu…

Esta súbita ausência coincidiu com o pico de trabalho na tese e eu, achando que não bastava o suplício em que tal exercício consiste, decidi agravá-lo um pouco mais com uma auto-chicotada infantil: enquanto não acabares isso, não há televisão para ninguém. E assim têm sido os meus dias, somente com formigueiro no ecrã.

Até aqui, deu para ir levando as coisas. Mas, como fazer com os jogos do Europeu ao rubro? Descobrir um café perto de casa era imperativo… Desconfio que Portugal deve ser dos países com mais cafés por metro quadrado e a zona peri-urbana onde habito não é excepção. Estava filada num que abriu recentemente, com um ar de design made in Vila da Feira: elementos decorativos integrados e monocromáticos em materiais fracos e um grande plasma. Mas, está fechado à segunda-feira. Depois, há um outro, fica totalmente virado para poente, tem um sofazinhos confortáveis, com um ar caseiro, mas têm a mania das quiches saudáveis e dos sumos de fruta natural e mai-não-sei-quê, maneiras que na televisão, bola, nem vê-la, assistia-se ao noticiário, pufff. Já em desespero, atravesso a rua e o meu olhar míope parece vislumbrar um buraco esconso, cuja televisão tinha relva. Lá fui eu e encontrei o oásis do café para esta fase dos grupos. O dito café, apresenta-se com vista para dois estádios em simultâneo. Há duas televisões a transmitir os dois jogos ao mesmo tempo, há uma população masculina, com bigode, que passa em revista todos os acontecimentos futebolísticos do dia, há incursões históricas sobre o valor da Holanda em 84, sobre a selecção de Humberto Coelho, há debates acesos sobre o valor do Estado-Nação e de um seleccionador brasileiro, sobre a regionalização e a legitimidade cultural e simbólica da autonomização do “povo tripeiro”, há a dona Albertina que chinela do balcão para as mesas com tremoços e cervejas, há um senhor que liberta um inevitável “Fuôda-se!” perante a bala disparada por Ballack e que, consciente de uma presença feminina estranha, olha para mim, enquanto leva a mão à boca e balbucia “ó menina, desculpe qualquer coisinha”. Sorri ao meu colega de bancada, enquanto pensava ”Homem, não tem nada que pedir desculpa, é um golo do caralho!!”
Para quê tv cabo, quando o mundo passa em directo no café-tasco em frente a casa?!
Hoje lá estaremos novamente!!!

Foto: daqui

sexta-feira, 13 de junho de 2008

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Ora, ponha aqui o seu pezinho

O domingo de imensa, gigantesca e incomensurável neura passou-se entre o horário tardio de despertar, o almoço tardio e longo em casa dos pais, a tarde sem a habitual companhia para café e actualização dos jornais tardiamente revistos e a tardia e inútil tentativa de restaurar algum equilíbrio na roupa por passar a ferro que se acumulava numa pilha que diariamente ameaçava tombar. A noite teria de ser compensada. Eu pensava que queria ir ver o Sabor do Amor do Wong Kar-Wai. Como em tudo ao longo desse dia, cheguei tarde para a sessão desse filme o que me empurrou para uma película que já tinha decidido não ir ver: O Sexo e a Cidade. Belíssimo engano, percebi depois que era o filme perfeito para esse dia. Despretensioso, irreal, fantasioso e com um remate de Cinderela dos tempos modernos a roçar descaradamente o happy end.


Eu sou sériedependente, admito. Devo ter visto praticamente todos os episódios da série, embora, muito provavelmente tenha trocado a ordem às temporadas e aos episódios. Recordo como especialmente boas a primeira e a última temporadas, porque lá, pelo meio, já não sei muito bem o que se passou. Acho que a ficção não tem obrigação nenhuma de respeitar a realidade. Contudo, sempre me intrigou e aborreceu ligeiramente (nessa série, como em outras) a ausência do factor trabalho e a opulenta presença do seu suposto resultado: dinheiro a rodos para jantares, festas, vestidos, sapatos e carteiras. Ainda assim, cativaram-me aquelas caricaturas toscas de mulheres ultra românticas, hiper racionais, puramente libertinas ou vincadamente analíticas. Dificilmente alguém se define unicamente através de uma dessas ou de outras características, porém em função das circunstâncias é possível que uma dessas facetas se sobreponha às demais que em doses diferentes nos constituem. Nessa história e nessas mulheres, há de tudo, como na farmácia e, em conformidade com a maleita, imagino-me no vestiário dos feitios a escolher a farpela que melhor se adequa às situações: de manhã, Charlotte, à tarde, Miranda, ao jantar Carrie e, à noite, sem dúvida, Samantha.


Sapato: Something Blue Satin Pump, de Manolo Blahnik (Claro!)

domingo, 8 de junho de 2008

(des)acertos


Desconcertas-me e isso desconserta-me...
Foto: 2 in motion III, de DDiArte


quinta-feira, 5 de junho de 2008

Longe da vista... perto de um click

Há alturas em que se torna muito evidente o motivo pelo qual não partilho, mesmo com os que me são mais próximos, a existência e a morada deste espaço. Para mim, é importante que existam duas, três pessoas, não mais, que saibam detalhada e actualizadamente o que se passa na minha vida. Que conheçam os factos, mesmo os mais insignificantes, que compreendam o que eles representam para mim, como me tocam, como me moldam o humor, o olhar e o sorriso. Ainda assim, há coisas que não se partilham, mesmo com quem nos conhece em cada íntimo minuto da vida. Podem ser situações muito diferentes, em geral, motivo de embaraço, vergonha ou pudor. Mas, essas duas, três pessoas, não mais, não me julgariam, não me avaliariam a partir do que é risível, maldoso, infantil e tosco em mim. Acumulariam apenas esse facto onde juntam todos os outros, num saco que já não comunica com o incondicional afecto, com a Amizade.

Quando a convivência, movida pelo amor, pela paixão, pelo devaneio passageiro… termina, em regra, estabelece-se um novo espaço, uma distância operativa para o fim que se decretou. Não se busca a co-presença (ou, então procura-se “acidentalmente”, só para ver mais uma vez…). Deixa de se contribuir massivamente para o enriquecimento das redes móveis, à custa de sms de “só para enviar um beijo…”, de telefonemas sem razão, ou melhor, com a única que vale a pena, “era só para ouvir a tua voz…”. É assim que deve ser. Mas, sabemos que não o é, quando a cidade ou um confinado quarto de subúrbio gritam uma presença que já não deve existir. Sabemos que assim não é, quando nos aventuramos num espaço que sabemos ser habiual dessa ausência e fingimos surpresa quando ela se materializa no corpo que já lá não está. Sabemos que assim não é, quando o ritmo a que o sangue se passeia no corpo aumenta inexplicavelmente, apenas porque “aquele carro vermelho é do…”, até a vista nos informar da combinação atribuída pela DGV ao veículo e a dança vermelha no interior do corpo regressar ao compasso lento (e um pouco mais triste) que lhe é habitual.

Nem sempre a partida se anuncia no território. Por vezes, já apartados, apertamo-nos em rotinas que inevitavelmente se cruzam, a sala de aula? o local de trabalho? … Onde é que se arruma o olhar, nesta circunstância? Onde é que se constroi o edifício do esquecimento de um corpo que diariamente se passeia na retina? Como é que se interrompe a torrente de pensamentos “por que é está a rir? por que é que está tão sério? or que é não olha? por que é olha?”

Houve alturas em que pensava esta ténue ou férrea inscrição do Outro no espaço se solucionava mudando de cidade, mudando de país, cortando de vez com a ligação ao território que alimentava tudo o resto numa ininterrupta vertigem de articulação. Mas, como é que é possível fazer isso hoje? Mesmo quando (por sorte) já não se comunga de um local onde os corpos esbarram, mesmo quando já se eliminaram os números de telefone, da memória do mesmo (embora ainda subsistam numa outra...), quando no mero gesto de um click ordinário, bisbilhoteiro e voyerista acedemos a uma despudorada página internética onde aquela vida ausente jaz escarrapachada?
Foto: "Off mode", Rattus.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Rock junto ao rio (por um mundo não muito pior, vá!)

Pelos vistos a cidade siamesa do Porto, decidiu animar a malta e propõe, para os dias 17, 18 e 19 de Julho um festival, na margem do rio, pelo preço (bem mais amigo) de 30 euros (sim, para os três dias!!) e com um alinhamento (algo requentado, é certo!) que não será de desprezar:




EU (só não) VOU (se não puder…)

terça-feira, 3 de junho de 2008

Contra(o)tempo

Este blog teve um irmão que não sobreviveu aos dois primeiros posts. Quer dizer, provavelmente, ainda tem, mas eu abandonei-o, porque não tinha como o sustentar. Deixei-o, esqueci-me do seu nome e do caminho para lá chegar. Sei que, já na altura (aí, quê, há uns três anos ou mais), o nome já tinha alguma coisa a ver com tempos, porque eu e o dito cujo temos uma relação antagonicamente umbilical.

A este, acho que lhe quis chamar tempos que correm, mas descobri que esse nome já existia e dava nome ao blog de Miguel Vale de Almeida, antropólogo, que aborda de uma forma notável os mais diversos temas da actualidade política e social. Pensei, “pois, tempos que correm é uma designação bastante acertada para falar disso, mas não é disso que quero falar. Aliás, eu gostava era de ter tempo para andar devidamente informada, ter tempo para reflectir sobre o que se passa à minha volta, ter tempo para produzir uma opinião que originasse dois parágrafos com pés e cabeça".

Recentemente, num e-mail muito amável e deveras lisonjeiro, alguém tropeçava num lapsus linguae soberbo, que originou um imediato segundo e-mail explicitando a devida desculpa, porque o assunto da primeira missiva falava de tempos que fodem! Ora, pensei eu, “isso é que era um nome fantástico, como é que não me lembrei disso na altura do baptismo?!?”. Retorqui imediatamente, “nã, estes tempos não copulam tanto como gostariam e um blog monotemático exige uma especialização que ainda (sublinhe-se o esperançoso e optimista ainda) não tenho. Numa outra acepção da dita classificação dos tempos, está bem que há uns que são maus, chatos, isto é, fodidos, mas também há outros bons e assim ficaria desajustado.

Lá me conformei com os tempos que fogem, porque, para mim, a expressão não poderia ser mais adequada. O meu problema com o tempo remonta até onde a minha memória me alcança. Até aos seis anos, ficava em casa dos meus avós que habitam a uma curta distância dos meus pais. Ignoro as manhãs em que a minha mãe se degladiava com o relógio e uma criança pequena indiferente a esse ritmo. Sei que, em casa dos meus avós, o tempo se moldava como plasticina entre as minhas mãos. Havia ritmos mais ou menos definidos que coincidiam quase exclusivamente com as refeições. Ora, como já na altura comer era um puro acto de deleite e prazer, as horas das refeições não constituíam um problema. Eu domava o relógio com um pequeno chicote que ainda ignorava o tamanho da fera. Até ao dia em a escola desferiu um primeiro e rude golpe no meu edifício de vontade (julgado) intemporal. A escola impunha um horário que tinha de se cumprir, gritava uma ordem às tarefas e um ritmo que não admitia desvios: acordar, tomar banho, lavar dentes, vestir, pentear (eterno suplício materno de riças e lágrimas para desenhar duas grossas tranças), tomar o pequeno-almoço, pegar na mochila, caminhar, chegar, sentar, abrir livros, ouvir, aprender no período estipulado, fazer os exercícios rápida e certeiramente, ouvir a campainha, esticar os 30 minutos do recreio… Começou aí a enrijecer a plasticina do tempo, até hoje ser mármore fria que constantemente se me escapa dos dedos e se estilhaça no chão.

Olho à minha volta, com o autismo infantil que, pelo menos agora, me caracteriza e não vejo ninguém com idêntica dificuldade. É sempre, mas sempre num esforço de Sisífo que procuro cumprir com um tempo que desde há muito não agarro com jeito. É sempre, mas sempre, com a fatalidade de um castigo divino, que o mármore se me escapa dos dedos e rola pela escarpa abaixo.

Este paleio todo para dizer que ainda estou a braços com uma tese que disse acabar em Dezembro e, depois, em Abril, e, depois, em Maio... Isto para dizer que, desde Dezembro e, depois, Abril, e, depois, Maio, que finalmente penso que vou telefonar às pessoas de quem gosto e que há tanto não ouço, que vou finalmente cumprir com as dezenas de “sim, quando eu acabar a tese, a ver se tomamos um cafezinho e pomos a conversa em dia”, que vou finalmente passar fins de semana a cozinhar pequenos banquetes caseiros para receber os meus amigos, que vou finalmente ler sem culpa os outros livros de que gosto e que nem conhecem a palavra ciência, que vou finalmente avançar para além das letras gordas do diário jornal que ainda insisto em comprar. Que vou finalmente alcançar o tempo e agarrá-lo com as duas mãos e voltar a moldá-lo como barro na forma da minha vontade.

Hummm, é por estas e por outras concepções idealistas que ele me escapa…

Fotos: daqui

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Matar-nos mais um bocadinho



Há uma pedra que cresce e que me afasta de ti. Alimenta-se dos sedimentos de silêncio e de incomunicação que depositamos entre nós. Agigantou-se de tal modo, que não nos permite estar na mesma divisão. Dilatou-se ao ponto de me expulsar da nossa cama, porque não cabemos lá os três. E tu insistes em não a quebrar. Teimas em não perceber que a minha força diminui e que os golpes que desfiro nessa montanha são cada vez mais inócuos e inofensivos. Viras a cara para não perceber que esse pedregulho me entala nas paredes da nossa casa, me esmaga na estreiteza da minha garganta. Desespera-me o esforço do gesto cansado que procura antecipar o que queres, o que te faz feliz. Desgasta-me o estado de alerta que não me deixa dormir, porque aguardo o sobressalto e a agitação em que ficarei, assim que ouvir a tua chave na porta, assim que o mundo declarar que vais invadir e que, a partir daí, se inicia a guerrilha terrorista da palavra, do movimento, do silêncio, da quietude que, a partir do inesperado, me ataca e transforma esta serenidade fria de alumínio numa lâmina que me atravessa a garganta. E tu, até aí, não dizes nada. Tu, depois disso, nada dizes. Nada muda. Colocamos a serenidade cortante em posição de ataque e volta tudo ao início, tudo a repetir-se: adivinhar-te, sobressaltar-me, vigiar-te, armadilhar-me, chorar-te, matar-nos mais um bocadinho...

Vivemos em tormento e tu insistes em virar a cara para o lado, para a frente para trás, para todo o lado menos para o animal em agonia em que nos transformamos. Porque não falas? Estarás bem assim? Será isto o que tu queres? Com certeza é, mas a mim não me basta. Para mim, basta! Para que acordes, para que percebas que isto assim não está bem, para que mudes provisoriamente durante duas semanas, para pelo menos ganhar um abraço, conquistar um olhar, arrancar-te uma palavra que me seja dirigida. Para que recordes o desespero gravado no corpo da última vez que estiveste próximo do abismo de me perder. Isso, essa memória vai fazer-te entender…

Mas não. Já não há memória, já não há medo, já não há olhar e os teus braços não se movem para me abraçar. Os teus braços apoiam-se na pedra que nos separa, enquanto arremessas balbuciantes "não sei” a tudo o que pergunto. O teu corpo instala-se nessa maldita laje que nos separa para me atirar, sem aviso prévio, essa indiferença e apatia que desconheço. "Não sei"?!? Mas, então, há quanto tempo "não sabes"? Há quanto tempo te arrastas para casa como quem caminha para um covil de lobos? Há quanto tempo me magoas propositadamente? Há quanto "não sabes" e ainda assim fingias surpresa quando te dizia que não estávamos bem, que precisávamos de conversar? Há quanto tempo "não sabes" e eu me consumo sozinha neste pântano de culpa por não nos querer assim?

E eu, que era só certezas, desfiz-me nesta espiral de loucura e irracionalidade que te vasculha os bolsos do casaco em busca de uma razão chamada Maria, Alexandra, Rosa... E eu, que só precisava de esboçar-te um olhar, indiciar-te um sorriso, para te ver rendido à paixão, perco-me neste catálogo de artifícios de sedução inúteis perante a força da tua indiferença. E eu, sempre a poupar-te, porque tu sofrerias mais, tu eras o eterno e desajeitado apaixonado. E eu, sem dúvida, acharia fácil deixar-te partir, até ao momento em que descobri que já cá não estavas, que tinhas abalado numa noite que desconheço, sem dizer adeus, como um ladrão, roubando-me o que me pertence: o poder de decretar a tua partida. Porque, agora, estou refém deste quarto vazio, confundindo as migalhas com o bolo, misturando o amor com o apego, Achando que, perante esta dor, a felicidade é adivinhar-te, sobressaltar-me, vigiar-te, armadilhar-me, chorar-te, matar-nos mais um bocadinho.

Não sei se a História e as histórias são pedagogos eficazes dos afectos, das emoções e dos sentimentos. A compaixão redigiu esta história que não é minha, mas podia ser, porque é de alguém muito próximo que nunca imaginaria (e que nunca se imaginaria) encontrar no enredo que vive nestes dias difíceis, lodosos e cinzentos. Que o sorriso, com que pintas de azul os dias, se desenhe novamente no teu rosto, D.
Foto: "Longest Journey" de Thorsten Jankowski.