quarta-feira, 19 de março de 2008

Como nossos pais*

Diz que é Dia do Pai e eu vou dar um salto até casa dos pappis, abancar-me pó jantarinho e dar duas de letra com o velhote. Passar em revista os disparates semanais do governo, dizer mal do benfica (ainda quero ver o que é que ele acha deste achado que é o Chalana como treinador!), lamentar solidariamente a (mais que provável) descida de divisão do Leixões ('taditos, compraram um autocarro à séria pa fazer bonitinho na liga, mas é tão grande que eu desconfio que, na próxima época, quando voltarem a ir jogar à Rechousa e a Nogueiró dos Vinhos, a traquitana não deve passar pelas vielas esconsas).
Nunca chamei o meu pai de pai, chamo-o pelo nome. Sempre foi assim. Enquanto criança, os amigos perguntavam se era meu padrasto, ao que eu respondia: "não é o meu pai, mas chamo-o Zé, porque é o nome dele" (parecia-me tão evidente!!). Acho que nunca fomos próximos, íntimos, fluidos e totalmente autênticos um com o outro. A minha adolescência marcou um período de conturbada existência entre nós, apaziguado com frequência e com uma diplomacia que causaria inveja a qualquer funcionário das Nações Unidas, pela minha mãe (que chamo de mãe e nunca me ocorreu ser de outro modo).

Conservador. Acho que é uma das palavras que define o meu pai. Razão pela qual, quando transmiti a intenção de morar sozinha (escapando ao fado geracional de sair de casa dos pais para casar) pensei que seria decretado o "estado de sítio" da nossa relação. Nada disso! Perante o meu comunicado, ele apenas pergunta: "mas, vais viver com um companheiro?" (não sei como contive tamanha alarvidade de riso e gargalhada perante esta expressão, tão PREC... um companheiro, camarada, campesino...).

Desde então, o denso manto de neblina que separava e bloqueava a nossa comunicação foi-se levantando, permeabilizando-se a alguns raios de luz que o deixam ver com mais nitidez. Fica clara a sua aversão à mudança, mas também uma fidelidade canina à família e aos amigos, uma honestidade a toda a prova, uma existência colada aos princípios em que acredita, uma certa obstinação face à palavra e ao compromisso. Quando a minha mãe se chateava comigo, uma das piores coisas que ela me podia dizer era, "és igualzinha ao teu pai". Aquela frase arremessava-me de novo para o ponto zero, para um ponto próximo dele, de onde, eu achava que me queria afastar. Hoje, perante tal declaração, apenas sorrio. Se calhar, é mesmo muito provável que comunguemos de um mesmo património de carácter. Podia ser pior... podia ter herdado o benfiquismo (argh)!!

*De preferência, ao som de Ellis Regina
Foto: "Himba Tribes" de Nuno Lobito

1 comentário:

Anónimo disse...

Tem piada que tb me costumam dizer, principalmente a minha mãe, que tenho o feitiozinho do meu pai.Há dias em que não se isso é bom ou se é mau. Mas é e orgulho-me disso. Somos tão parecidos que às vezes chocamos lol.
Gostei do teu texto Clepsy (lol).

Beijinhos