quinta-feira, 6 de março de 2008

Perenidades temporárias

As marcas da tua cadeira ainda jazem na parede da minha sala. Estão lá. Fossilizadas. Testemunhas mudas de um amor estridente que outrora fizemos. Ainda não as consegui apagar. Ainda não me consigo ver munida de lixívia e pano em riste a esfregar esses sinais. A lutar com esses vestígios já tão distantes de ti. A branquear esses resíduos que provam que não enlouqueci, que não me limitei a sonhar a tua presença.
Não me desfiz do vestido que me ofereceste num aniversário que parece já tão longínquo. Depositei-o num saco, destinei-o à lixeira com os demais detritos que a vida de todos os dias produz. Mas, ainda não fui capaz, porque esse não foi um vestido de todos os dias. Foi o vestido do dia em que me presenteaste, provando saber o meu tamanho de cor. Provando saber que eu te queria, sabendo-me mulher, sabendo-me tua, sabendo-me o corpo medido nas unidades das tuas mãos. Foi o vestido de um jantar com velas que te preparei com o desvelo de uma dona-de-casa, que já não é dona de si. Foi o vestido que, com dúvida, afastavas metodicamente para confirmar o que sabias desde o princípio: o meu corpo sedento do teu.
Ainda não me imagino a aprender outro corpo. E para o fazer tenho de manter esse vestido. Aguardando o dia em que ele me permita eleger novas mãos. Aguardando o dia em que ele já não se sinta traído e desrespeitado porque uma outra dúvida o aparta. Aguardando o dia em que seja possível inscrever novas marcas, provas irrefutáveis do fim… de um capítulo, porque Fukuyama estava errado, a História não termina.

Foto: "Rugas" de Maria Isabel Baptista

2 comentários:

Anónimo disse...

A internet é, realmente, um mundo, mas que se torna pequenino pelas relações que se vao estabelecendo. E sempre achei engraçado o facto de me identificar, de uma ou outra forma, com pessoas que nao conheço. Conheci a minha melhor amiga pelo IRC. Às vezes a internet traz surpresas agradáveis.

Tão agradáveis como o teu texto. Gostei muito!

Beijinhos

Ervi Mendel disse...

Bravo, minha senhora! Que posta belíssima!

Ervi