segunda-feira, 10 de março de 2008

Degraus na longa escada da compreensão

Neste espaço onde não me coíbo de mim e onde o encontro se combina nas esquinas das palavras, também me escondo, também me oculto, também me atraso e também falto ao compromisso. Nestes dias, e até hoje, eu teria sempre algo a acrescentar sobre ti… Mas eu não quero, porque não sou totalmente capaz de esmiuçar e desgastar os nexos explicativos para a dor e para a perplexidade que, também aqui, tenho tentado aplacar. Por pudor, por vergonha, mesmo para mim, é difícil apresentar, redigir e digerir completamente a didascália desta acção. Mas a verdade é que se me distanciar, se me vir como personagem desta história: faz algum sentido. Porque já vivi outros amores, já sofri noutros lugares, tive a pretensão de achar que aos 28 anos, já tinha percebido como é que isto funciona. Eu já tinha tirado de letra esta coisa das relações. A mim, já ninguém me apanhava em falso. Eu não dizia isto, mas acho que era o que pensava… E aqui, vejo a Vida com um ar matreiro e sabido, numa esplanada lânguida com sol e gins tónicos, a decretar preguiçosamente a reposição da ordem cósmica do reconhecimento e das ignorâncias: "ah, então tu pensavas que sabias tudo… espera lá…"

Às vezes, dizias-me, “gostava de te ter conhecido antes, gostava de te ter conhecido quando estava bom”. Essa frase… essa frase plantava em mim sensações tão díspares, sentia-a, ora como um elogio, ora como um insulto. Às vezes, dava-lhe algum seguimento, imaginando como é que seria? E a verdade, é que foi pela forma como agora caminhavas até mim que permiti que te aproximasses. Eu dizia-te, e dizia-me vezes sem conta, que essa condição nada influenciava… Mas mentia… Essa condição perturbava tudo, porque essa diferença me deslumbrava, turvando e ocultando tudo o resto e distraindo-me de ti. Porque era a prova visível da aprendizagem que tu inevitavelmente terias realizado, o catalizador irrefutável para a mudança que tu terias operado (transformação em que, na generalidade, eu nem sequer acredito ser possível, porque, no essencial, as pessoas não mudam). Tentava imaginar-te antes e (especulativamente, bem sei) não era capaz me ver a nutrir mais do que um leve desprezo pela tua bela aparência oca e desprendida. Ao antes-de-ti eu já tinha sido apresentada e do antes-de-ti eu também já tinha descoberto que nada haveria a esperar.

Aprendi por mote próprio que não se deixa para amanhã o que se pode gostar hoje, aprendi que não ocultamos quem amamos das pessoas que nos rodeiam, aprendi que todas as manhãs são poucas e todas as noites demasiadamente curtas para não as partilharmos com quem amamos, aprendi que não nos afastamos para nos resolvermos, apoiamo-nos nas pessoas que amamos para nos tornarmos mais claros, mais nítidos e melhores. Aprendi com o corpo, com as lágrimas, com a dádiva e com a dor. E achei que já sabia...
Mas, agora, tu deslizavas até mim, corporizando uma realidade que me era tão estranha e que eu não ousava questionar. Esse era o reduto justificativo onde te apoiavas agora para te afastares, como sempre o fizeras, embora invocando outros pretextos.
E eu, ainda com tanto para aprender, a achar que já tinha percebido tudo… E, eu tola, a achar que não me poderias magoar, não tinhas como… Tu não tinhas pernas, mas sim asas para me proteger como um anjo. Tu não tinhas maldade, apenas sofrimento e gratidão no olhar. Tu conduziste-me ao engodo primordial nas pesquisas que fiz, a fim de te perceber melhor… a tua deficiência é emocional e não tem rampas à vista.


Foto : Sem Título, Rosalina Afonso

2 comentários:

Anónimo disse...

Escreves tão bem!!!! Parabéns :)


Beijinhos

Anónimo disse...
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