segunda-feira, 28 de abril de 2008
Tempo de pausa, sem ócio
Deus, afinal existes e guias um bus!
“Boizola, é o meu motorista! Deus, afinal existes e guias um bus!!!”
Os festejos do 25 de Abril no Porto são cada vez mais deprimentes. A última vez que assisti ao entoar da Grândola na Avenida dos Aliados foi há dois anos e, desde então, pensei “enquanto me lembrar disto assim, não torno cá”. O (inevitável) Coral de Letras, uma aparelhagem sonora muito rafada e uns grupelhos de resistentes dispersos e tímidos. A partir desse ano, privatizou-se (irónico, não?) a festa que, normalmente, dá lugar a jantarinho em casa de amigos. Sexta feira lá se fez a jantarada.
Fiquei contente com a ideia de (aparentemente) irem pessoas novas. A partir de uma determinada altura (não vou dizer idade, humpf!) é difícil renovar as águas paradas da sociabilidade e, portanto, alegro-me sempre que essa ténue possibilidade espreita. Rapidamente se esvaiu tal cenário. “Então, quem é que vem? Ah, é o não-sei-quantos? Hum, conheço, foi meu prof na faculdade. E a fulaninha? Pois, sei quem é. Era a namorada do cicraninho que fazia parte da Associação de Estudantes”. Enfim, anátemas de uma cidade que, às vezes, mais parece uma junta de freguesia.
O M. foi meu professor numa cadeira de primeiro ano da faculdade. Mas, é um gajo novo, de esquerda e mai-não-sei-quê, maneiras que findo o 1º ano (brindado com 17 – avaliação que lhe deve ter criado a ideia que eu tinha dois dedos de testa) a gente sempre se tratou por tu. É bom moço e, no contexto do jantar, lá veio o tradicional preâmbulo da conversa, “então e como é que andam as coisas?”. Rapidamente, começa a expor a sua argumentação sobre o estado de sítio em que a instituição Universidade se encontra, a mercantilização dos seus propósitos, o governo, a globalização… Eis que, no meio da sua elucubração teórica, penso imediatamente no L. (amigo, com A maiúsculo) que nutre idêntica simpatia e fulgor oratório pelas temáticas. E eu, achando-me a miss match maker lá do sítio vai de o meter ao barulho:“Oh L., então o que é tu achas do modelo fundacional das universidades? Aqui, o M., estava dizer-me que blá-blá- blá?”
É assim, a coisa até podia ter corrido bem, mesmo muito muito bem. E não estou a entrar no raciocínio linear do “já que ambos nutrem simpatia por espécimes do mesmo género, porque não?”. Não, eu fui além desse pensamento rasteirinho. De repente, parecia-me que 1 e 1 só podia ser 2: são ambos solteiros, são gajos atentos aos que se passa no mundo, gostam de falar e de discutir essas situações, são de esquerda, logo isto pode correr bem. Colossal equívoco de análise. A conversa começou a descambar logo de início. De facto, ambos gostam falar das mesmas coisas, mas, nem um outro, nem outro, é particularmente dotado para ouvir sobre esses mesmos assuntos. Especialmente, ouvir posições diferentes, porque originárias de pólos (de esquerda) diametralmente opostos. Maneiras que a amena conversa degenerou em drama queen que, por pudor social se arrefeceu, mantendo-se, contudo, a faísca das leves bocas, cuja força crescia à medida que o vinho soltava as línguas.
Já muito embalados e etilicamente desbocados, não contivemos o riso cúmplice. O L. entra, senta-se logo no banco da frente e eu atiro com um:
L. - Ah! a que horas é o teu?
Moi - É agora, mas os senhores nunca cumprem...
L. - Ai não, não cumprem. Os senhores cumprem, não cumprem?
Buseus - (entre risos) Sim, nós cumprimos. Deve estar aí mesmo a chegar.
E puff, lá foi ele. Razão pela qual se seguiu a minha mensagem, incompreensível, fora do seu contexto (e mesmo com ele…). De modos, que há um Luís (que recordo vagamente), rapaz apresentável, dotado de massa cinzenta, que (por razões de timming) estava em stand by para quem-sabe-um-dia que deve achar "olha aquela rapariga que eu até achava sensata e quem-sabe-um-dia, afinal não joga com o baralho todo..."
Não Esquecer - Escrever ao Provedor do Cliente. Felicitar pelos critérios estéticos que presidem à política de recrutamento da empresa. Sugerir que os contactos telefónicos e as fotografias dos colaboradores sejam disponibilizados na página web, com vista a uma maior proximidade e humanização do serviço prestado ao público.

quinta-feira, 24 de abril de 2008
Mal dizer (literalmente)

quarta-feira, 23 de abril de 2008
Feito por medida

Tenho, há muitos anos, um caso de paixão assumida com muita da música que atravessa o Atlântico e que aqui desagua, num português cantado com açúcar na boca.
Descobri o Celso Fonseca em 2002. Trabalhava em part-time na loja de discos do aeroporto. Agora, não sei como é que aquilo anda, mas, na altura, era um verdadeiro apeadeiro. Pouquíssimo voos, menos vendas ainda. Portanto, ocupava as horas a ler, a descobrir música e a enxotar os poucos clientes que lá se atreviam a entrar. Foi aí que percebi uma (des)orientação vocacional: nunca na vida poderia depender de uma função comercial para comer.
“Oh menina, vou levar este. Mas, aqui é mais barato, não é?”
“Ehh, olhe, nem por isso… Se vai para Lisboa e não tem pressa, veja na Fnac” (o que é que eu havia de dizer?!?)
Lá, no meio dos discos e da minha gerente brasileira, encontrei-me com Juventude – Slow Motion Bossa Nova (disco de 2001, gravado em parceria com Ronaldo Bastos). Marcado por um dos acontecimentos mais tristes que já me assolou (sobre o qual, curiosamente, passam em breve 6 anos), para mim, 2002 foi annus horribilis. Esse disco, que fala do encontro, do amor, da partida e do desapego (e de uma estadia em Espanha, T., parece uma música feita para nós, meu querido), esse disco foi uma das bonitas flores que, nesse ano agreste, ousou despontar. Esse disco ofereci-o, pelo menos, a 4 pessoas. Há um prazer que cresce como uma manhã com sol, na partilha do que se ama, com quem se ama.
2002 passou-se e 2003, que chegava prenhe de promessas e de esperança, revelou-se estranhamente estéril e sombrio. Em momentos de desapontamento e de desilusão com os outros (ou melhor, com alguns-outros), procuro alimentar a (infundada, claro está) mitomania do estou-sozinha-e-não-preciso-de-ninguém. Desafio-me com inofensivos Himalayas, cuja aprendizagem em escalada solitária imagino vital. Foi assim, por exemplo, com o cinema, situação que, durante muito tempo, só imaginava acompanhada. Hoje, confesso que é coisa que nem me ocorre – o que às vezes me traz dissabores, “atão foste ao ciné e num dizes nada?”. Foi assim com o hábito de estar sozinha em cafés. Aliás, acho que comecei a fumar um pouco por isso, para tentar driblar o desconforto da situação (estava feita se fosse agora…). Ainda há muita montanha para escalar (teatro, bares, discotecas, férias…).
O concerto era minimal: o Celso (que é um homem assim a fugir pó feiinho, com as suas calças de ganga com 2 anos em cima e umas sapatilhas que já levavam 4) e, claro, o seu violão. Mas, nada mais era preciso para planar naquela voz doce, morena e sublime. Na deliciosa “Feito prá você”, normalmente, é a Jussara Silveira quem o acompanha. Como ela não estava, (com certeza, para desespero de quem se encontrava ao meu lado) fiz um dueto com ele, cantado assim em jeito de oração pelo despontar do momento em que se decreta o fim da solidão, porque se descobre um braço esculpido para encaixar com perfeição no entalhe da curva do nosso pescoço, um braço que grita fui feito prá você...
Onde vai parar, o que o amor vai me fazer
Vai me embriagar, chega a doer de tanto bem
Quando estou feliz, me acostumei a solidão
Chega um novo amor, me desmantela o coração
Hoje eu sei do cor o que o amor vai me trazer
Se me faz sonhar depois me acorda prá viver
Vive prá me dar a ilusão de tudo ser
Tenho a sensação de que fui feito prá você
terça-feira, 22 de abril de 2008
A chuva que molha tolos e todos

Anónima - Será que não nos vai largar? (olhar vago e perdido na água que pinga)
Moi - Ehh, há-de largar, há-de largar…
Anónima - Será que nos larga no 25 de Abril?
Moi - … (no 25 de Abril, pensei?!?Será uma resistente nostálgica?)
Anónima - Podíamos ter rosas, em vez de cravos. São mais bonitas...
Moi - … (ehh, ok, aqui não pensei nada)
Anónima - Eu não sou contra, nem a favor. Só sou contra aqueles que morreram, lá… inutilmente (intensifica o olhar vazio e aponta com queixo para "lá").
Moi - (precipitadamente ajuizei uma opinião que pedia resposta) É sempre inútil morrer em guerra... (com esta frase feita à medida achei que rematava o convívio)
Anónima - Humpf! É sempre inútil! Ainda por cima para deixar tudo àqueles, àqueles...
Moi - .... (Eu bem me parecia que me tinha precipitado. Mas, por que é que não me calo?!?)
Eu detesto, mas é que detesto até à última molécula do meu ser, todo e qualquer pingo de chuva. E não me venham com a conversa da minha avó, “é bom para a terra e para as culturas”, porque a única coisa que eu planto em vasos (na ausência de cinzeiros) são cigarros mortos. Grrrrrrrrr…
segunda-feira, 21 de abril de 2008
A sedução da circunstância III
O dia passou com paragens frequentes nas imagens desfocadas de ti. Forçava-me a desenhar-te a face, mas as tuas feições teimavam em permanecer ocultas. Recordo com facilidade os nomes, mas não consigo guardar os rostos (a miopia sem óculos que me acompanha deve ter algo a dizer sobre isto). Procurava alinhar as outras pistas que tinha sobre ti. A textura das tuas mãos? Disso, eu recordava-me. Mas, o que é que indicava? Em que se ocupariam elas nos dias comuns? Não sabia. Nada sabia de ti e queria que esse estado primitivo de ignorância fosse preservado até ao limite possível da sua pureza.
Saí do trabalho sem pressa e, desprovida de um sentido de orientação geográfico operativo, lancei-me na confusão labiríntica do concelho peri-urbano da tua morada. Tinha decidido que não me faria anunciar com um ridículo telefonema em que afirmasse estar perdida. Portanto, foi já com a luz do fim do dia sumida entre as nuvens e acompanhada da chuva que, tal como eu, persistia na sua tarefa, que me encontrei no ponto certo. Deixei o carro e ensaiei o passo em direcção ao número da tua porta. Agora, só agora, a inquietação e o nervosismo se faziam coisa pesadamente depositada no estômago. Aligeirava-o com o exercício habitual de racionalizar a vida e as suas opções.
Ensaia-se a medo um recomeço. Onde é que havíamos ficado mesmo? Onde é que eu tinha deixado as minhas mãos? Onde é que me esqueci do beijo? Sim, foi aí, e aí, e ali também. Como se os dias e as noites não nos tivessem afastado, retomamos a dança, agora, sem música. Recomeçamos essa conversa perfeita que nunca teve palavras. Senhor da pista, conduzias-me por corredores incógnitos, cujas paredes eu tacteava para não me perder no frágil equilíbrio que tentávamos manter. Fomos desaguar ao quarto onde se entranhavam alguns pormenores daquele espaço, preparado por ti, para aquele tempo: um cheiro cítrico e fresco, a luz franzina e esguia das velas, a cama feita com rigor… (afinal também te preparaste, pensei…)
Foto: Sonhos de Sal de Paulo César
sexta-feira, 18 de abril de 2008
A sedução da circunstância II

Detenho-me nesse instante que há anos me intriga e fascina. A (intrinsecamente masculina?) capacidade de, a partir dos “Nãos”, improvisar degraus e construir escadas, por onde se esgueira e eleva a vontade. Onde se aprende a ouvir “não” e ainda assim prosseguir? Em que bancos da escola foi matéria leccionada essa indomável persistência? Em que manuais se explica e se ensina a resolução das quotidianas equações potencialmente elevadas à recusa?
Fascina-te?
Sim, deslumbra-me isso em ti, e em ti, e no outro e naquele… Essa hábil arte de contornar, de ignorar, de insistir, de reescrever essa palavra que com N tudo finda e, no entanto, onde tudo pode começar. Porque eu sucumbo quando apenas a intuo. Porque vacilo se apenas lhe imagino os contornos. Parece-me tão grande, tão pesada… Onde é que a ponho? Onde é que a guardo? Onde é que a escondo, uma vez que me embaraça? Um “Não” é desmedido e colossal. Portanto, admiro todos os que, dispondo apenas de uma discreta algibeira, generosamente se oferecem para o albergar.
Ainda ofuscados, os olhos tocaram-se pela primeira vez. Ocorreu-te que sou mulher e que, agora, banhada em luz e discernimento, caíra no desempenho funcional do meu papel: tímida, recatada, pudica, falsa virgem à procura de um véu.
“Então, pelo menos dá-me o teu contacto. Amanhã podíamos combinar um café… ou assim…”.
“… um café ou assim…” – pensei. É impagável o vértice de sociabilidade que se deposita e se bebe em tão pequena chávena…
“Está bem.” Tinhas agora um nome e uma combinação numérica que accionei, para que se desbloqueasse também o meu anonimato. O meu telefonema a escassos centímetros de ti e um emaranhado de números e piscarem digitalmente no teu visor… “Chamo-me Clepsydra. Se amanhã, ainda tiveres a mesma vontade, então, liga-me.”
E com uma rara agilidade felina saltei dos teus braços para o parapeito da minha janela, enrosquei-me numa cesta, embalando a volúpia ainda desperta.
O dia seguinte passou na velocidade e nos rituais com se escreve Domingo. Destoava a ridícula e inflamada inquietação adolescente que ausência do teu contacto produzia. Teria a tua vontade desvanecido nessa manhã limpa? Não era relevante. À noite, a minha ainda ali estava, acicatada e viva, convidando-me a um novo papel. Sejamos predadores e entremos no jogo… Não há? Então, inventa-se…:
“Um dia destes, apetecia-me retomar e completar o ponto em ontem ficamos…” (sem perguntar, só afirmando – truques baratos de quem ainda não aprendeu a deixar espaço no bolso para guardar um Não…)
“Passei o dia todo a pensar nisso e agora ainda fiquei com mais vontade. Um dia destes, por mim já amanhã, quando quiseres…”
Agradou-me… A resposta pronta. O sim apresentado em palavras completas e frases que se alinhavam com pontuação - não posso evitá-lo, em tempos de xx’s e kk’s, comove-me o domínio (ainda que rudimentar) da língua. A ausência da despedida, habitualmente servida de bjos e jinhos e jocas... Surpreendeu-me agradavelmente a tua imediata compreensão do jogo sem regras que te propunha.
Um dia destes, irrompeu numa manhã com sol: “e se um dia destes fosse hoje?”. Brindaste-me com o que achavas que eu consideraria adequado, com o que pensavas que teria faltado na noite em que a dança nos juntou. Expliquei-te, “num bar, nós já nos encontramos. Hoje, pensava num espaço mais recatado… “ Novamente em jogo, “Então, vem ter a minha casa. Rua (perdida algures entre tantas outras, n.º xx). A partir das 19 horas estou lá. Aguardo-te ansiosamente.”
Foto: S/N, de Luís Mendonça
quinta-feira, 17 de abril de 2008
A sedução da circunstância I

A tua silhueta, camuflada pelo som, pela intermitência das luzes e das sombras e pela minha (deliberada) distracção, encontrava-se ali, como um astro, em alinhamento cósmico com a minha votada solidão. Não foi imediato. Ainda à distância, a percepção que um do outro tomávamos e a consciência partilhada das engrenagens desse processo dilatou uns instantes, preenchendo o momento. Consumado o conhecimento, plantou-se o leve e doce desconforto da confissão assinada da corte. A comunicação feita coisa, feita matéria, inegavelmente vertida em forma moldável para a receber, nascia ali. Ainda ténue. Ainda tímida. Sempre ambígua...
A distância encurtava-se, porque os corpos agora soluçavam a uma só voz, a do nosso (possível) entendimento. Os joelhos faíscam quando se tocam, ainda sem querer. Os dedos roçam-se em coreografia sem ensaio prévio, mas com passos sabidos de cor. Eu não recuo e tu também não. Repetem-se os toques. Improvisam-se avanços. O espaço some-se no encaixar das nossas pernas. Perfeitas, como peças desenhadas desde o início para tal fim. A tua mão descobre a depressão da minha cintura, fincando-se na fronteira da minha anca. Ainda é leve e inofensiva. Aos poucos, ditará a sua sólida deliberação, acercando-me ainda mais de ti. Estamos agora prensados um no outro, reféns do teu desejo firme que me busca e que eu acho, com uma vontade que te engole entre as minhas coxas.
A linha do teu queixo revista-me a curva do pescoço. Encontra o arrepio em fuga, mas prossegue, mandatada por uma autoridade que nos escapa. A respiração encontra-se agora próxima, visível, incontornável. Mas os olhos permanecem fechados, votando na reeleição da magia e da ilusão. Poder ao demiurgo que nos comanda, accionando os fios invisíveis do desejo. Tacteia-me os lábios, invade-me sem pedir permissão e faz-me refém do teu beijo e raptora da tua vontade.
Ainda há as mãos… As minhas mãos são o elemento mais insubordinado do corpo, presas por um receio sem nome, por um pudor sem sentido, recusam acatar a ordem de te tocar. Contrafeitos, os dedos vasculham-te a nuca, emaranhando-se no teu cabelo sem cor. É nas mãos que se encontra a resistência! É com elas que, aos poucos, e a custo te afasto... São as mãos que agora me articulam a boca, depositando as palavras que espalharei nos teus ouvidos: ”... desculpa, mas acho melhor ir-me embora…”
quarta-feira, 16 de abril de 2008
A adoração dos meninos

Ora, quando durmo no sofá, os braços de Morfeu deixam as suas marcas na minha memória. Imagino que devo sonhar todos os dias, simplesmente não me lembro, excepto quando desfaleço no sofá…
Bem sei que, de há uns tempos a esta parte, alguns dos meus amigos e conhecidos decidiram apostar nesse empreendimento de longo prazo que consiste em procriar. Mas, à minha inicial alegria face à comunicação da notícia, têm-se contraposto sucessivos desgostos, porque vejo esses amigos e conhecidos a esvaírem-se no ralo da paternidade. O mundo é colocado entre parêntesis e de um só fôlego engolem o papel de mãe/pai que agora desempenham.
A criança ainda não nasceu e já a conversa é totalitariamente absorvida pela projecção do dia em que tal venha a acontecer. Onde é que vai ser? Na clínica, na maternidade, no hospital, em casa à moda antiga? Como é que vai ser? Com epidural, sem epidural, cesariana, natural à moda antiga? Depois, nasce e, então, o deslumbramento é tanto que o resto do mundo é açambarcado na narrativa que repetem, à laia de pioneiros que pisam Terra Nova (e pisam mesmo, mas

Puff, much better! Tive algum receio da bruma delicodoce (sim, admito) em que o sonho me envolveu, por isso precisava de destilar um contraponto, em modo concentrado, de bílis e fel.
terça-feira, 15 de abril de 2008
Caimão: o teimoso regresso

segunda-feira, 14 de abril de 2008
Desmemorizando

sexta-feira, 11 de abril de 2008
(desen)laços
Comparativamente à população que me rodeava, aderi muito tarde ao uso do telemóvel. Achei, durante muito tempo, que era uma moda e que iria passar. Puro, duro e redondo engano. Veio, instalou-se com modos senhoriais, e instituiu um modo de governação muito próprio, que perpassa as mais diversas esferas da vida. Deixei de estranhar a cobrança que bate à porta sempre que uma chamada não é atendida e sempre que, inevitavelmente tendo ficado registada, não é devolvida no tempo sentenciado como justo e certo. Contudo, ainda não assimilei esta terra-de-ninguém-não-protocolada das sms. Eu até acho graça ao exercício de escrita, onde as palavras adquirem outra forma, alinhando-se com outro ritmo e novas disposições afluem por caudais diversos. Mas, para mim, decretei funcionalmente o uso desse tipo de mini-mensagens. As sms servem o propósito de transmitir recados (“chego às não sei quantas horas”), colocar perguntas de resposta simples (“sempre vais ver o jogo ao café?”), jogar com outras pedras num possível tabuleiro de sedução (“vi-te e estavas linda…”), partilhar alguns estados de espírito (“penso em ti…”). Nesta prosaica e tabelada utilização não cabe o esclarecimento de possíveis mal-entendidos. Pelo contrário, acho que as sms têm a propriedade de os gerar, bem como de os agudizar.
Qual é o problema de uma conversa em que os olhos se tocam e atentam num exercício completo (mas, ainda assim) muito complexo de (im)provável comunicação??
Mais, qual é o problema contigo?

Insistes em colocar-te sempre, e em todas as situações, como expatriado da vida, como vítima inocente que, com tudo e todos, sofre e que, por tudo e todos, é abandonado e maltratado. Por isso, arremessei: “Se queres terminar, então terminamos. Mas, repara, neste momento, estás a fazer história e quero que tenhas noção disso. Eu continuo aqui, no mesmo lugar em que me apaixonei por ti. Eu continuo a amar-te. De acordo com o que me contaste, pela primeira vez, és tu quem está a acabar. És tu quem está a decidir virar as costas e ir embora. És tu quem me abandona”. E foi com um inconfessável prazer que vi o desespero assomar-te o rosto e a irracionalidade feita grito na tua boca: “Vai-te embora! Vai-te embora! Vai-te embora…”. Foi assim que de mim te despediste. E eu fui. Arrastando um pesado vazio nos pés, um horizonte cego nos olhos e uma pedra no lugar da garganta.
Foi um tempo de estrutural mudança para mim. Nesse mês, terminava o curso e ao fim de 17 anos nas carteiras da escola eu não sabia o que fazer, não sabia o que aí vinha e tentava orientar a jangada feita de incerteza em que embarcara, munida de indecifráveis coordenadas e inúteis bússolas que apontavam o Sul, o Este, o Oeste… nunca um Norte. Em relação a ti, eu carregava apenas uma verdade: aquela não podia ter sido a nossa última conversa. Tu foste embora, mas tu haverias de voltar.
Isto era um dogma diluído em mim. Não era nítido, nem tão pouco verbalizável. Mas, eu sabia-o e, sabendo-o, esperava-te: dias, semanas, meses… Meses de espera sem nos cruzarmos uma única vez (nós que estávamos juntos todos os dias), meses de espera a catar informações de amigos comuns, sem nunca os questionar directamente a teu respeito. Até tu, no tempo que escolheste, decidires regressar. E eu lá estava, a sorrir-te e a falar-te como se não tivesse passado quase um ano. Como se nunca se tivesse rasgado o fino véu da nossa intimidade. Depois desse encontro, tu foste vindo de mansinho, como um menino regressa ao colo da mãe depois de uma travessura. E eu (estupidamente) recebi-te como tal, como uma mãe, cujo amor não se corrompe. A condição de amante, que se interpunha nesse amor, era apenas uma: nunca, mas nunca mais me vires costas, recusando-me a chave de interlocução que me pertence, isso não!
O que tu fizeste? Está bom de ver…
Como um decalque, o relevo do sofrimento irrompeu novamente em mim. Porém, foi mais curto, porque agora não repousava da certeza do teu regresso, enxotava-o a minha vontade de te abandonar definitivamente. Não sei se o soubeste, mas foi aí, nessa tarde de domingo com sol, em que não me quiseste namorada que me despedi de ti. Foi só aí e nunca antes. Adeus, é uma palavra cujas letras se embolam na boca. É doloroso articulá-la. Mas, quando expulso o último s da boca, é um poço que irreversivelmente se tapa.
Desde então, de vez em quando. cruza-nos a estreita morfologia do convívio social aqui, do burgo. Nunca deixei de te saudar cordialmente. Mais do que uma vez, o teu olhar acusou a falta de calor com que me dirijo a ti e que contrasta com os demais que nos cercam. Mas, com essa ténue iniciativa da minha parte, sentes-te empurrado para a posição em que não te sabes ver: a posição de agressor e não de vítima. Acho que estes anos todos, sempre desejaste secretamente uma cena pública em que eu te enxovalhasse, um desprezo feito coisa visível a todos os olhos, um safanão dirigindo-te para o lugar que é teu de direito e fora do qual tu não sabes como agir, como falar, como pensar. Mas, não. Tal nunca aconteceu… O que é curioso é que ao fim destes anos todos, face a mim, ainda tentes colocar–te nesse papel.
Num apertado, escuro e ébrio bar de sábado à noite, as cinco e meia da manhã presentearam-me com a tua patética tentativa de o fazer. Como? Por sms, pois claro. “responde-me por favor… desprezas-me assim tanto ao ponto de me virares a cara?”. Pelos vistos, estiveste ali, viste-me e não conseguiste vir ter comigo…
Sabes, não é bem desprezo. É mais pena de ti e do ardiloso esforço que depositas nas armadilhas que constróis para te apanhares a ti próprio, numa contínua espiral de infelicidade…
quinta-feira, 10 de abril de 2008
Samba no pé...

Sexo é escolha, amor é sorte
Amor é pensamento, teorema
Amor é novela, sexo é cinema
Sexo é imaginação, fantasia
Amor é prosa, sexo é poesia
O amor nos torna patéticos
Sexo é uma selva de epiléticos
Amor é cristão, sexo é pagão
Amor é latifúndio, sexo é invasão
Amor é divino, sexo é animal
Amor é bossa nova, sexo é carnaval
Amor é para sempre, sexo também
Sexo é do bom, amor é do bem
Amor sem sexo é amizade
Sexo sem amor é vontade
Amor é um, sexo é dois
Sexo antes, amor depois
Sexo vem dos outros e vai embora
Amor vem de nós e demora
(....)Amor é isso, sexo é aquilo
E coisa e tal, e tal e coisa...
Sem amor, mas com muita vontade, escolhi a poesia. Dura para sempre, como tudo, pelo menos, enquanto não terminar. No meu Carnaval pagão e sem data marcada em calendário, é tempo de dar largas à imaginação e à fantasia. Vestir-me de animal e, por desporto, correr na selva. Antes, chegar com os outros, invadindo a tela de mãos dadas. Depois, como é bom, ir embora.
Foto: "Dançando com o Azul" de Ddiarte.
quarta-feira, 9 de abril de 2008
Casa com vista para o futuro

Se um dia os olhos se fechassem como punhos,
ocultarias a luz entre os teus dedos.
Como crianças, rasgaríamos a esperança,
entre oferendas embrulhadas, numa véspera de Natal.
Espreitaríamos o futuro no interior de um poço
e antevíamos desejos nas moedas arremessadas ao horizonte.
Revela-me o teu segredo,
Faz do meu ombro a terra prometida,
onde desabas e te reconstróis.
Entre limpezas de disco, pens, cd roms e outros depósitos de informação, dei com esta "Casa com vista para o futuro". As propriedades do ficheiro afirmam digitalmente que o mesmo foi criado numa "terça-feira, 13 de Fevereiro de 2007, 15:52:53". As propriedades da minha memória não me permitem recordar o que é que me levou a esboçar este projecto de casa... acho que sou eu quem, afinal, precisa de uma limpeza e de um upgrade.
terça-feira, 8 de abril de 2008
Três tempos ou três possibilidades de amar (entre tantas)

segunda-feira, 7 de abril de 2008
3... a conta que o Porto fez!

sexta-feira, 4 de abril de 2008
Morde(r)-me

Este verão, quando chega, é para todos. Distribui-se com a razão contabilística de um deve e haver não saldado no rude Inverno que passa. Incide com (in)justiça nos endividados, equilibrando a balança, com depósitos de olhares que se cruzam e se perdem... perplexos, maravilhados com os centímetros epidérmicos que timidamente despontam aqui, ali, acolá, mais adiante, além...
É a alegria e a comoção que sentimos perante a novidade da fruta da época. Os primeiros morangos, as primeiras cerejas orgulhosa e provocadoramente expostas no centro dos caixotes de madeira da mercearia do bairro. É a ansiedade nervosa da primeira trinca, a curiosidade infantil e sôfrega de comprovar se vão ser doces, se concentrarão as propriedades intransmissíveis que brincam e provocam o gosto, se escorregarão em suco, pela esquina dos lábios até ao queixo, convidando um indicador a percorrer esse trilho e a devolvê-lo à boca onde pertence.
Nada substitui o gáudio com que se recebem os primeiros morangos. Raramente são os melhores. Objectivamente, costumam ser desenxabidos, baços e rijos, mas marcam o tempo em que a prova começa, inaugurando o desfile de todos os que se seguirão… até se tornarem rotina, presença habitual, conduto do dia-a-dia. São assim os primeiros ombros que se vislumbram, transbordando de fragilidade, palidez e pudor, mas sabendo-se alvo da comoção alheia que os mira, que os finca e que de, muito, bom grado os sorveria languidamente.
quinta-feira, 3 de abril de 2008
Body talk

quarta-feira, 2 de abril de 2008
África minha, África tua...

Maria Flor Pedroso - Lápis?
CS - Lápis, canetas, esferográficas, réguas, material escolar…
MFP - Mas foi comprado pela Presidência ou foi oferecido por alguma?
CS - Não, trouxe da presidência. (…) Agora, quando fui, na ilha onde estivemos a passar férias com o meus filhos, os meus netos voltaram a Portugal só com uma camisa, porque tudo o resto demos… Eles foram à escola, os meus netos foram à escola. Andaram 7 quilómetros para ir à escola. E também demos todas as nossas canetas e os nossos lápis. Tudo aquilo que… Os professores vieram ter connosco, depois. Convidamos os professores. Deixamos tudo aquilo que podíamos. Tínhamos comprado em Lisboa 5 quilos de rebuçados. Também foi uma festa enorme. Para além do jogo de futebol que ocorreu. Também participei numa pescaria, lá, com os, os, nativos da ilha. Muito engraçado! (…) Eu acho que temos facilidade de comunicação com estes povos africanos! (…) Eu gosto muito de África. Não me esquece um dos filmes que eu nunca mais esquecerei na minha vida é África Minha.
MFP - Senhor presidente, estas entrevistas costumam terminar com uma música à escolha do convidado. (…) Por isso, pedia-lhe para indicar a música que gostaria de ouvir no final desta conversa
CS - Sabe, eu seria tentado a indicar uma música clássica do Mozart, mas isso podia ser um pouco maçudo para os ouvintes. E, por isso, coloque uma música dos Beatles. Pode colocar o Yellow Submarine."
terça-feira, 1 de abril de 2008
O ponto J

I love you Jon Stewart!!