segunda-feira, 28 de abril de 2008

Deus, afinal existes e guias um bus!

E se as sete da manhã de sábado fossem presenteadas por uma sms de uma quase desconhecida, bradando:
“Boizola, é o meu motorista! Deus, afinal existes e guias um bus!!!”

Os festejos do 25 de Abril no Porto são cada vez mais deprimentes. A última vez que assisti ao entoar da Grândola na Avenida dos Aliados foi há dois anos e, desde então, pensei “enquanto me lembrar disto assim, não torno cá”. O (inevitável) Coral de Letras, uma aparelhagem sonora muito rafada e uns grupelhos de resistentes dispersos e tímidos. A partir desse ano, privatizou-se (irónico, não?) a festa que, normalmente, dá lugar a jantarinho em casa de amigos. Sexta feira lá se fez a jantarada.

Fiquei contente com a ideia de (aparentemente) irem pessoas novas. A partir de uma determinada altura (não vou dizer idade, humpf!) é difícil renovar as águas paradas da sociabilidade e, portanto, alegro-me sempre que essa ténue possibilidade espreita. Rapidamente se esvaiu tal cenário. “Então, quem é que vem? Ah, é o não-sei-quantos? Hum, conheço, foi meu prof na faculdade. E a fulaninha? Pois, sei quem é. Era a namorada do cicraninho que fazia parte da Associação de Estudantes”. Enfim, anátemas de uma cidade que, às vezes, mais parece uma junta de freguesia.

O M. foi meu professor numa cadeira de primeiro ano da faculdade. Mas, é um gajo novo, de esquerda e mai-não-sei-quê, maneiras que findo o 1º ano (brindado com 17 – avaliação que lhe deve ter criado a ideia que eu tinha dois dedos de testa) a gente sempre se tratou por tu. É bom moço e, no contexto do jantar, lá veio o tradicional preâmbulo da conversa, “então e como é que andam as coisas?”. Rapidamente, começa a expor a sua argumentação sobre o estado de sítio em que a instituição Universidade se encontra, a mercantilização dos seus propósitos, o governo, a globalização… Eis que, no meio da sua elucubração teórica, penso imediatamente no L. (amigo, com A maiúsculo) que nutre idêntica simpatia e fulgor oratório pelas temáticas. E eu, achando-me a miss match maker lá do sítio vai de o meter ao barulho:“Oh L., então o que é tu achas do modelo fundacional das universidades? Aqui, o M., estava dizer-me que blá-blá- blá?”
É assim, a coisa até podia ter corrido bem, mesmo muito muito bem. E não estou a entrar no raciocínio linear do “já que ambos nutrem simpatia por espécimes do mesmo género, porque não?”. Não, eu fui além desse pensamento rasteirinho. De repente, parecia-me que 1 e 1 só podia ser 2: são ambos solteiros, são gajos atentos aos que se passa no mundo, gostam de falar e de discutir essas situações, são de esquerda, logo isto pode correr bem. Colossal equívoco de análise. A conversa começou a descambar logo de início. De facto, ambos gostam falar das mesmas coisas, mas, nem um outro, nem outro, é particularmente dotado para ouvir sobre esses mesmos assuntos. Especialmente, ouvir posições diferentes, porque originárias de pólos (de esquerda) diametralmente opostos. Maneiras que a amena conversa degenerou em drama queen que, por pudor social se arrefeceu, mantendo-se, contudo, a faísca das leves bocas, cuja força crescia à medida que o vinho soltava as línguas.

O jantar acabou tarde (5 da manhã é tarde para um jantar), mas ainda estávamos decididos a ir dançar. Pusemos pé ao caminho e, nessa senda, fomos perdendo companheiros da luta do baile que, cobardemente desertavam em táxis. Fiquei eu e o L. no antro do (quase) costume até o dono nos expulsar amigavelmente.

Portanto, rumamos à paragem de autocarro. Rapariga bem mandada, opto por não conduzir, sempre que bebo. Rapariga mais preguiçosa do que bêbada, geralmente, prefiro não beber e poder conduzir. A última vez Baco venceu a Preguiça foi no último dia de 2007, brindado com a descoberta da divindade dos transportes púbicos: Buseus, de sua graça. Eu e o L. achamos que era um presságio do que 2008 nos traria. Ora, qual não é nosso espanto quando às 7 e 20 da manhã, o autocarro do L. se aproxima da paragem, abre as portas e tcharam: lá estava ele. Lindo, loiro, fresco, no seu posto de motorista zeloso, com um sorriso que ofuscava de tanta beleza.

Já muito embalados e etilicamente desbocados, não contivemos o riso cúmplice. O L. entra, senta-se logo no banco da frente e eu atiro com um:
Moi - Ai, eu se calhar vou no teu autocarro que o meu nunca mais vem...
L. - Ah! a que horas é o teu?
Moi - É agora, mas os senhores nunca cumprem...
L. - Ai não, não cumprem. Os senhores cumprem, não cumprem?
Buseus - (entre risos) Sim, nós cumprimos. Deve estar aí mesmo a chegar.

E puff, lá foi ele. Razão pela qual se seguiu a minha mensagem, incompreensível, fora do seu contexto (e mesmo com ele…). De modos, que há um Luís (que recordo vagamente), rapaz apresentável, dotado de massa cinzenta, que (por razões de timming) estava em stand by para quem-sabe-um-dia que deve achar "olha aquela rapariga que eu até achava sensata e quem-sabe-um-dia, afinal não joga com o baralho todo..."

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Foto: Pedro Correia in Jornal de Notícias.

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