segunda-feira, 14 de abril de 2008

Desmemorizando

Dizem-se aquelas coisas de circunstância perante uns provectos 80 anos, "ai quem me dera chegar lá"! A minha avó chegou lá no sábado. Este ano, ela ainda consegue saber que lá chegou. Em discurso telefónico, transporta a confusão cronológica de histórias repetidas, com pormenores trocados e personagens anónimos. Responde às correcções quotidianas, dos nomes das coisas e da ordem dos gestos, com um humilde (e quase envergonhado) "eu sei, filha, eu sei". E o pior é que eu acho que ela sabe aquilo que todos nós, família mais próxima, sabemos: inexoravelmente, a memória definha e a "minha avó" desaparece aos poucos...
É uma forma de demência devida à morte das células cerebrais que começa por aniquilar a memória e, subsequentemente, as outras funções mentais, determinando completa ausência de autonomia.
Foto: "O sentir das presenças I", de joãoveríssimo

5 comentários:

Kitty Fane disse...

É das coisas mais tristes ver as pessoas desaparecerem aos poucos dessa forma. :-S

vague disse...

Uma das minhas avós morreu há 3 anos, com Alzheimer, pelo que já tinha partido muito antes de partir.
É como uma lâmina fininha lembrar-me da minha avó a olhar para mim e a perguntar 'quem és tu?' ou a dizer que queria sair porque a mãe estava à espera dela na rua.

Enfim, qualquer um de nós está sujeito a isso. Temos de o aceitar com largueza de vistas e de coração.

SK disse...

É nestas alturas que a noção de justiça dita natural parece uma brincadeira de mau gosto da chamada "ordem natural das coisas".
E a naturalidade da aceitação nunca retira esse sabor a algo que não deveria ser assim...

Clepsydra disse...

É tão... tudo isso...
Triste, Kitty, muito triste.
Resignadamente cortante, Vague.
E, não menos, injusto, Stephen.

isabel disse...

É...

Também tive uma experiência terrível com um tio que insistia em chamar-me Teresa. E que no meu prédio "até morava um francês" (era o meu marido que ele conhecia perfeitamente)

Gostei do blog ;)