terça-feira, 3 de junho de 2008

Contra(o)tempo

Este blog teve um irmão que não sobreviveu aos dois primeiros posts. Quer dizer, provavelmente, ainda tem, mas eu abandonei-o, porque não tinha como o sustentar. Deixei-o, esqueci-me do seu nome e do caminho para lá chegar. Sei que, já na altura (aí, quê, há uns três anos ou mais), o nome já tinha alguma coisa a ver com tempos, porque eu e o dito cujo temos uma relação antagonicamente umbilical.

A este, acho que lhe quis chamar tempos que correm, mas descobri que esse nome já existia e dava nome ao blog de Miguel Vale de Almeida, antropólogo, que aborda de uma forma notável os mais diversos temas da actualidade política e social. Pensei, “pois, tempos que correm é uma designação bastante acertada para falar disso, mas não é disso que quero falar. Aliás, eu gostava era de ter tempo para andar devidamente informada, ter tempo para reflectir sobre o que se passa à minha volta, ter tempo para produzir uma opinião que originasse dois parágrafos com pés e cabeça".

Recentemente, num e-mail muito amável e deveras lisonjeiro, alguém tropeçava num lapsus linguae soberbo, que originou um imediato segundo e-mail explicitando a devida desculpa, porque o assunto da primeira missiva falava de tempos que fodem! Ora, pensei eu, “isso é que era um nome fantástico, como é que não me lembrei disso na altura do baptismo?!?”. Retorqui imediatamente, “nã, estes tempos não copulam tanto como gostariam e um blog monotemático exige uma especialização que ainda (sublinhe-se o esperançoso e optimista ainda) não tenho. Numa outra acepção da dita classificação dos tempos, está bem que há uns que são maus, chatos, isto é, fodidos, mas também há outros bons e assim ficaria desajustado.

Lá me conformei com os tempos que fogem, porque, para mim, a expressão não poderia ser mais adequada. O meu problema com o tempo remonta até onde a minha memória me alcança. Até aos seis anos, ficava em casa dos meus avós que habitam a uma curta distância dos meus pais. Ignoro as manhãs em que a minha mãe se degladiava com o relógio e uma criança pequena indiferente a esse ritmo. Sei que, em casa dos meus avós, o tempo se moldava como plasticina entre as minhas mãos. Havia ritmos mais ou menos definidos que coincidiam quase exclusivamente com as refeições. Ora, como já na altura comer era um puro acto de deleite e prazer, as horas das refeições não constituíam um problema. Eu domava o relógio com um pequeno chicote que ainda ignorava o tamanho da fera. Até ao dia em a escola desferiu um primeiro e rude golpe no meu edifício de vontade (julgado) intemporal. A escola impunha um horário que tinha de se cumprir, gritava uma ordem às tarefas e um ritmo que não admitia desvios: acordar, tomar banho, lavar dentes, vestir, pentear (eterno suplício materno de riças e lágrimas para desenhar duas grossas tranças), tomar o pequeno-almoço, pegar na mochila, caminhar, chegar, sentar, abrir livros, ouvir, aprender no período estipulado, fazer os exercícios rápida e certeiramente, ouvir a campainha, esticar os 30 minutos do recreio… Começou aí a enrijecer a plasticina do tempo, até hoje ser mármore fria que constantemente se me escapa dos dedos e se estilhaça no chão.

Olho à minha volta, com o autismo infantil que, pelo menos agora, me caracteriza e não vejo ninguém com idêntica dificuldade. É sempre, mas sempre num esforço de Sisífo que procuro cumprir com um tempo que desde há muito não agarro com jeito. É sempre, mas sempre, com a fatalidade de um castigo divino, que o mármore se me escapa dos dedos e rola pela escarpa abaixo.

Este paleio todo para dizer que ainda estou a braços com uma tese que disse acabar em Dezembro e, depois, em Abril, e, depois, em Maio... Isto para dizer que, desde Dezembro e, depois, Abril, e, depois, Maio, que finalmente penso que vou telefonar às pessoas de quem gosto e que há tanto não ouço, que vou finalmente cumprir com as dezenas de “sim, quando eu acabar a tese, a ver se tomamos um cafezinho e pomos a conversa em dia”, que vou finalmente passar fins de semana a cozinhar pequenos banquetes caseiros para receber os meus amigos, que vou finalmente ler sem culpa os outros livros de que gosto e que nem conhecem a palavra ciência, que vou finalmente avançar para além das letras gordas do diário jornal que ainda insisto em comprar. Que vou finalmente alcançar o tempo e agarrá-lo com as duas mãos e voltar a moldá-lo como barro na forma da minha vontade.

Hummm, é por estas e por outras concepções idealistas que ele me escapa…

Fotos: daqui

5 comentários:

Ervi Mendel disse...

Graças a Deus que vem aí o Euro. A mim faz-me deixar as coisas acessórias para trás e concentrar-me no que é realmente importante: ver os jogos todos, custe o que custar!

Tese vs Europeu? Nem é preciso pensar...

Osga disse...

Sofres de Volatilidade Temporal.

Não fosses tu Clepsydra ;)

Bjs :*

Clepsydra disse...

Ervi,
Infelizmente, a Tese, não executando um futebol bonito, é muito eficaz no contra-ataque e nas jogadas de bola parada. Temo um desaire: Tese:5-Europeu:0! :)

Osga,
Volatilidade, Irrealismo, Preguiça, Procrastinação... Puff é só escolher. Má sorte, ser Clepsydra! :)

Ervi Mendel disse...

"Má sorte ser Clepsydra" CONTA como piada de algibeira...

Clepsydra disse...

Ervi,
És tramado! Era tão do fundo do bolso, tão discreta que achei que ninguém notaria. Tcshhh...