quarta-feira, 14 de maio de 2008

O cubo e o mágico

Em jeito de bombeira, dou comigo constantemente a apagar os pequenos fogos que pululam na instituição pirómana em que laboro. Um dos últimos visava deslocar-me à apresentação pública de um programa de financiamento em que figuraria a senhora ministra da educação. Aprecio particularmente a forma como a questão é colocada às 11 da manhã, por quem melhor do que ninguém deveria conhecer o meu trabalho (vulgo patrão, eufemisticamente designado de coordenador): “tens assim um dia muito ocupado?”, “nã, eu só vim cá ver a bola e apreciar o serviço da máquina de vending, inebria-me esta águazinha acastanhada de bebida com sabor a café…
Às 15 horas lá estava eu no dito sítio… Bom, na verdade, cheguei passavam 20 minutos, porque estas coisas nunca começam a horas, justamente, porque pessoas como eu nunca se apresentam a horas e (pescadinha de rabo na boca) segue por aí a fora... Sala acanhada, ministra igual a si própria, inexpressiva e impertubável com o facto de a comunidade científica aqui, da terra, se fazer representar por uma dúzia de gatos pingados (eram mesmo 12, eu contei!). A peça não prometia: não gostei do cenário e ainda menos das personagens, ostentando figurinos tacanhos e cinzentos que hostilizavam visualmente as minhas calças de ganga e respectivas sapatilhas. Os olhares reprovadores acalmaram-se na repetição de um provável mantra silencioso: “ah-é-jovem-e-tal… ah-é-jovem-e-tal...”
Ora muito bem, aquilo devidamente espremido é o seguinte: diz que o ministério da educação, de há uns tempos a esta parte, recolhe dados, informações, estatísticas, rankings e mai-não-sei-o-quê. Diz que é preciso, porque há uma tal de União Europeia e OCDE que, vira e mexe, pedem os numerozinhos para ver-se-o-meu-é-maior-que-o-teu... Diz que aqui, o povo lusitano, não fica lá muito favorecido na estatística foto de família. Oh diacho! Há um tal insucesso escolar que se cola ao país, como um adolescente se agarra ao seu telemóvel. Mas, o que é que sucede: aquela parafernália de dados pode ser tratada de formas muito diferentes (os números são assim volúveis, voláteis... enfim, pequenas putas moldáveis aos caprichos dos clientes). Diz que a “comunidade científica” domina esta cena das análises. Vai daí, tomai e comei um programa de financiamento, com panfleto político acoplado e tudo (só não lê quem não quer… embora, tal como nos contratos de créditos manhosos, estas letras sejam pequeninas). Estes dados, a que actualmente ninguém tem acesso, serão protocolarmente cedidos às instituições que tutelem as candidaturas aprovadas. Claro está, esses dados serão unicamente tratados de acordo com as linhas de investigação aprovadas à luz dos critérios e finalidades prescritos pelo ministério, obviamente.
Não fosse o povo (doutorado na sua maioria, é certo, mas povo, na mesma) não ter percebido, o senhor da Direcção Geral não-sei-das-quantas ilustra o que se pretende, com “um pequeno exemplo”:
Ora vejam aqui, os dados do PISA (estudo internacional sobre os conhecimentos e as competências dos alunos de 15 anos nos domínios da leitura, matemática e ciências). O que é que acontece quando desagregamos estes dados? Como Portugal tem das mais altas taxas de reprovação, há um elevado número de alunos com 15 anos a frequentar o 7º ano de escolaridade, cujo score ronda valores próximos do México e do Brasil. Mas, quando comparamos estes alunos (com 15 anos a frequentar o 7º ano) com os alunos na mesma situação dos países do sul da Europa, nós estamos à frente! (Ah, pois é, entre os que reprovam, ninguém nos bate, pensei). Passa-se o mesmo no 8º ano. No 9º, já não, porque com 15 anos e no 9º ano a coisa já anda ela-por-ela com os outros países. Conclusão: estão a ver como até nem estamos assim tão mal, se estes alunos não tivessem reprovado, os resultados eram muito diferentes (Ahhh! Pois… Ehhh... É só de mim, ou continuamos sem sair do sítio?! )

Mas, eu percebo! Quando eu era mai-nova houve um infeliz qualquer que me ofereceu um cubo mágico. Eu rodava, rodava, rodava e não havia maneira de aquilo ficar direito. O que é que eu fiz? Declarei-me inábil e disposta a aprender, tentando sempre até conseguir? Nã… Tenho muito jeitinho de mãos, descolei os autocolantes coloridos e dispu-los como mandava a regra, alinhados por faces cromaticamente iguais, que disfarçavam a minha incapacidade para resolver o quebra-cabeças. Estava lá, físico, palpável, visível e indesmentivelmente resolvido... Parece, não parece? Pois, mas, não é!

Foto: Helga Carina Correia

3 comentários:

Justino Pénacova aka Menino Bonito disse...

Analogia perfeita!

Nice work, tks!

;o)

Ervi Mendel disse...

Desmontar o dito cubo e voltar a agregar as peças nas posições desejadas dá muito menos trabalho do que andar a tirar os autocolantes!

Osga disse...

A pérola de todos os team leaders : “tens assim um dia muito ocupado?” já vi que isto é geral..

Gostei da metáfora do "bending" da realidade.