segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

O mito do efémero retorno

Encontramo-nos casualmente. Aliás, vivendo nesta cidade e tendo em conta o confinado circuito em que nos movemos, o que é estranho é não esbarrarmos um no outro mais vezes. Cumprimentei-te, mas não fazia tenção de alimentar conversa. Tinha-te enviado uma mensagem em Novembro que apenas pedia uma informação profissional. Não respondeste e pensei, "ah, ok, não sabia que nos encontrávamos neste patamar de desentendimento, mas tudo bem!". Contigo, aprendi a não estranhar o desinteresse, a clausura e o autismo social em que é possível alguém a estruturar a sua vida.
Para enviar essa mensagem tive de pedir o teu número a uma amiga comum (tenho o hábito de higienizar a minha lista telefónica, apagando números de telefone que não tenciono utilizar). Soube que te incompatibilizaste com essa amiga durante uns meses. Esta saída, em que nos cruzámos, e onde ela estava, marcava a vossa reconciliação e, consequentemente, a tua tomada de conhecimento da mensagem que te havia enviado.

Gostei que tivesses dissipado o mal entendido. Gostei do esforço explicativo a que te propuseste, afirmando não ter recebido essa mensagem, porque estavas fora. Gostei que tivesses afirmado que, não obstante tudo o que se passou, poderia contar contigo sempre que precisasse. Mais, confesso que gostei de te ouvir dizer que sentias saudades minhas e que achavas que isto (de termos deixado de falar) não fazia sentido. Simplesmente, devias ter ficado por aqui. Devias ter entendido que quando chutei para canto anotar o teu novo número de telefone, isso significava o meu limite. O limite traçado em torno de uma existência pacífica e cordial sempre que o acaso nos juntasse neste pequeno burgo. Só isso.

Embriagado pela carência emocional e etílica que às vezes te assola, decidiste ultrapassar essa fronteira e prosseguiste, invocando um passado que já não tem o mínimo sentido corporizar-se em palavras. Decidiste partir há quase quatro anos, sem uma explicação plausível. E eu não ta pedi. E tu, não tens a mínima ideia do que significou para mim avançar daquele ponto sem coordenadas em que me deixaste. Mas, como é evidente, avancei. Prossegui há muito tempo. E hoje, sei que a diferença não residiria nos argumentos que tu invocasses para terminar a relação. Hoje, eu sei que o que teria feito alguma diferença teria sido testemunhar da tua parte a existência de um esforço explicativo para o fim que desejavas, só isso. Não faz sentido, depois de todo este tempo, afirmares que há uma justificação que não me deste e que estás disposto a dar, claro, unicamente se ta pedir. E eu não peço aquilo de que não careço, aquilo não me faz falta.

Vertendo este encontro e a minha experiência contigo para o meu presente, há algo de positivo. Verificar a minha plena e completa indiferença à tua inesperada presença, quando durante muito tempo apenas pressenti-la me faria disparar de ansiedade e arritmia. Perceber que é sempre quem nega ao outro o que este lhe pede que mais tarde se encontra ainda incompleto e ainda periclitante.

Por isso, sei que isso também irá acontecer contigo, C. Sei que chegará um dia em que deixarás de assaltar o meu pensamento nas mais diversas circunstâncias. Sei que chegará um dia em que a tua presença não influirá na minha. E, desconfio, que se insistires em recusar a hipótese de diálogo que te pedi, poderás ter dificuldade em fechar a porta que entreabrimos.

Foto: Plastic Wind, DDiArte

2 comentários:

PrimaNocte disse...

...Gostei...

Ana G disse...

ou então quando abrir a porta não encontrará lá ninguém.