sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Lust and caution, porquê?

Não consigo dissociar os filmes da experiência contextual do seu visionamento. Não é nada de novo. Pelo contrário, é a velha e estafada questão epistemológica do sujeito e do objecto, da direcção e da primazia relacional que entre eles se estabelece.
Posto isto, fui eu (sujeito), mais o meu amigo L. e toda a minha actual circunstância-neura-descompensada-esquizofrénica-inaturável - etc., relacionar-me com o dito filme (o objecto).
Não levava grandes expectativas (ao contrário do que aconteceu com o Expiação, grrr, fraquinho, fraquinho).
O cenário histórico conduz-nos à China, nos anos 30/40, durante a ocupação japonesa. Respira-se, ao longo de todo o filme, um ar ideologicamente pejado da forja dos nacionalismos, das resistências, dos poderes e das contradições. Mas, falando inevitavelmente disso, Ang Lee opta por contar uma outra história. Uma história que nasce neste contexto e que, portanto, não lhe é alheia, mas uma outra história. Uma história de amor em tempo de guerra.
Há um grupo de jovens estudantes que decide envolver-se na contenda que envolve o seu país. Há ali uma ingenuidade pura, comandada pela força obscura e incipente do nacionalismo que se afirma nessa altura. Há, nesse grupo de jovens, um que se destaca dos restantes, como líder natural, pelo brilho presente nos seus olhos quando incita os demais a tomarem partido e a comprometerem-se com a causa da resistência. É pelas palavras e por esse brilho que a jovem Wong Chia Chi é inicialmente arrebatada. Em nenhum momento ela expressa as suas convicções políticas sobre a realidade na qual pretende intervir. Ela move-se pela força da emoção e da paixão. Assim, acede a participar numa peça de teatro para angariar fundos para a causa. E é como actriz que irá continuar a actuar, quando o grupo de jovens rebeldes decide armar uma patranha para assassinar um destacado membro da divisão japonesa, o Sr. Yee .
Ela entra, então, nesse jogo, nessa actuação. Nesse teatro invísivel, ela é a Sra Mak, mulher de um empresário que se aproxima, do círculo em que o sr. Yee se move, com o intuito de o seduzir, atraindo-o para uma armadilha fatal, preparada pelos seus companheiros.
É possível amar e, consequentemente, detestar este filme por inúmeras razões. Aquilo que fixou a minha atenção e a minha reverência a este objecto, prende-se com a noção de jogo que ele põe a nu. Wong Chia Chi, a protagonista, é uma jovem mulher que procura a transcendência a substância da sua vida num amor, num grande amor, daqueles à hollywood, que tudo podem e tudo vencem, com orquestra, glamour, beijos e lágrimas... (aliás, é possível em, pelo menos, dois momentos do filme, encontrar Wong Chia Chi em frente a uma tela a preto e branco, debulhada em lágrimas). Este desígnio é buscado em Kuang Yu Min, o colega e jovem líder universitário. É a ele que Wong pretende alcançar e é com ele que ela se vê durante muito tempo a protagonizar as cenas de amor a preto e branco que tanto a comovem. Como é que ela o faz? Dando-se completamente à causa que ele defende, entregando-se de modo inabalável ao que ele admira e persegue. Para o fazer, ela envereda num estratégico e bem delimitado jogo de sedução com o inimigo a abater, o sr. Yee. E, aqui, é que reside, para mim, o enorme fascínio deste filme: na fímbria da emoção e da razão, na relação antagonista entre a lúxuria que a arrebata e a contenção que o compromisso prévio lhe exige. É magistral o modo como esse processo nos é dado a ver. Wong, outrora uma jovem mulher a quem bastavam as imagens num ecrã, depois as palavras inflamadas de um jovem com olhos brilhantes, sucumbe à força dos actos do inimigo declarado, desmorona-se perante a imensidão do seu corpo entregue e comandado por outro, rende-se, quando percebe que esse corpo já não é seu, é da paixão, do amor que finalmente preencheu a sua vida.
Ainda em reflexão: Wong cede ao amor, salvando a vida do seu amado e perdendo a sua. Yee, que havia já cedido por permitir-se amar, rigidifica-se doridamente, matando a amada. Será que mata também o amor?

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