segunda-feira, 12 de maio de 2008

Quando os pés não descolam do chão

Não sei explicar muito bem o que acontece no agora, no já. Não sei o que é, não sei o que vale. Desconheço quanto pesa. Ignoro se levita ou se deve ser enterrado.

Sei que é uma inesperada nesga de luz cintilante que, comandada por uma vontade sem freios, nem normas, rasga o uniforme cinzento e previsível com que se farda o quotidiano.

É tão… perfeito, é isso! É tão perfeito que não pode ser real, não pode ser palpável, não pode ser a bonança. Porque, se é, então, entretenho-me a antecipar a tempestade e começo a cerrar janelas, a verificar o ferrolho da porta, a contar os mantimentos.

Contenho-me.
As mãos procuraram papel e caneta de tinta preta e desenharam coisas tontas que receio não conseguir partilhar contigo:

J.,
Obrigada, é uma daquelas palavras gastas de tanto uso inútil, circunstancial e oco, porque desprovido de um genuíno sentido de agradecimento. Na realidade, agradecer também não era exactamente o meu propósito. Mas, as palavras têm estas limitações, de apenas esboçarem de uma forma muito imperfeita e grosseira o que pensamos e sentimos.
Feita esta ressalva, aquilo que eu quero dizer, na impossibilidade de inventar uma palavra mais fiel ao que pretendo exprimir, é: obrigada…
Pelas inesperadas, surpreendentes e maravilhosas horas, em que o prazer desaguou em todos os minutos como um oceano, inundando e diluindo o tempo, arrastando-me e fazendo-me transbordar de mim, em ti.
Envio um João (mas este é Gilberto) e, apesar de me fazer viajar, planando na sua voz doce, cheia e sublime, fica a anos luz, do deleite em que tu, mesmo sem palavras, me submerges de uma forma plena, completa… perfeita!

Perdi a conta aos bilhetes, às cartas, às surpresas que, por receio do ridículo, do medo de ser desmesurada, deixei de partilhar com quem de direito. Os destinatários foram-se todos. Mais leves, porque eu fiquei com os excessos, em caixas em que ainda tropeço. Não ficaram por se encontrarem mais ligeiros, não deixaram de partir pelo peso na bagagem e eu fiquei sempre com algo a mais, que não me pertence, a não ser que seja partilhado.

To send or not to send, talvez dependa disto: de deixar de me tentar encaixar naquilo que eu acho que o outro quer, deseja ou projecta. Eu sou assim, desmedida e ridiculamente romântica, sonhadora, arrebatada... Talvez, quem não goste ou não possua caixas para partilhar os excessos (com medos ou sem eles)... Talvez, não deva ficar...
Foto: "Envelhece-se mais devagar ao anoitecer" de Mariah.

2 comentários:

Ervi Mendel disse...

És uma poetisa da prosa!

SK disse...

Excelente.
E sim, perigoso. :)