sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

E quando a memória nos trai?

Jantar em casa da D. é sempre motivo de festa para os meus sentidos. Aquela mulher tem a capacidade única de transformar o mais simples acto de deglutição de alimentos num banquete de contornos pantagruélicos (acho que por simbióticas artes moçambicanas ela consegue verter a sua inesgotável alegria de viver em todos os pratos que prepara). Acompanhada por um bom vinho e melhor conversa, foi fácil, muito fácil esquecer-me do telemóvel na mesa da cozinha e vir-me embora.
Dia seguinte: o drama, o horror, o pânico. Sem telemóvel, descobri que deixei de saber de cor todos os números de telefone. Ou melhor, percebi que apenas sei 4 números de telefone:
- o número de casa dos meus pais, afinal, a minha adolescência foi feita na base do telefone fixo (não, eu não sou assim tão velha, este mundo é que, em algumas coisas, avança a uma velocidade estonteante…), sem Messenger, sem hi5 e com muitos gritos do meu pai e pseudo incursões pedagógicas sobre a real vocação do telefone: transmitir recados e não alimentar conversas durante horas. Bah! Daddy, agora eu percebo, no teu tempo eram sinais de fumo…
- o número de telemóvel da minha mãe, porque (é quase embaraçoso dizer isto), apesar de morar sozinha há quase dois anos e de praticamente apenas almoçar em casa dos meus pais ao domingo, mantenho o hábito de diariamente enviar uma sms à mummy: “Mãe, hoje não vou jantar aí a casa. Beijo”. À força de o fazer todos os dias, durante quase dois anos… fixei o número.
Até aqui, tudo bem. Agora, curioso foi verificar que a malandra da memória ainda regista o número do Arquitecto (ex, ex). Fiquei estupefacta! Não uso esse número há anos e, entanto, quando, sem telemóvel, tentava resgatar alguma combinação numérica do meu baú, eis que surge o : 93 GGGDFJG. Aparecia assim, de uma forma muito nítida, sem hesitações. Naturalmente, em fase de negação, pensei “nã, nã pode ser o n.º do cromo”. Resgatado o telemóvel (fofucho) confirmou-se, era o número dele, que ao fim de tanto tempo sem uso permanecia ali empoeirado na prateleira da minha memória (ele é com cada uma!).
Bom, e depois há o teu número… Apaguei-o do telemóvel há umas semanas, bem como tudo o que te dizia respeito. Foi uma limpeza feita por fases. Reli todas as mensagens antes de as apagar, mergulhando nessas águas paradas dos momentos vividos em que acreditei termos sido felizes. Contemplei todas as fotos antes de as apagar também. Eram sobretudo fotos de verão, de suadas brincadeiras na cama, em que te apanhava a dormir exausto e sereno como uma estátua. Cada registo que apagava doía-me como se me apartasse de mim às migalhinhas…

Não ligues, hoje tou assim trenga e carente. E, logo hoje, o teu número pôs os sapatos de dança e teima em rodopiar coreograficamente no salão da minha memória, fazendo leves riscos num chão recentemente encerado…

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Enquanto me saio de ti

Ajudaste-me da pior maneira possível, sem o saberes. Afundava-me no poço ambíguo do teu silêncio, inesperado, violento e incógnito, sem lhe encontrar o fundo. Desvendar a tua dupla face (intuindo a existência de outras tantas), descobrir que o fio do teu desinteresse conduzia a um outro interesse, a uma outra presença (intuindo a existência de outras tantas) foi o que me amparou, foi o chão firme onde apoiei os meus pés. Foi a plataforma de onde me impulsionei para me ir saindo de ti. O poço era tão fundo, a queda foi tão feia e esse chão… esse chão era tão lodoso, por isso sei que ainda estou em movimento, nesse movimento de me ir saindo de ti. Por isso, eu sei que ainda custa cruzar-me contigo e fingir-te estranho, quando sinto o peito a querer fugir-me e tenho de o segurar com um passo firme que não te intercepte, que te seja tangencial…

Queria saber-te coxo do coração, como eu fiquei. Só queria ter percebido que te importei, só queria ter comprovado que não ficou tudo igual, depois de eu ter passado por aí.
Pareces-me triste… a barba tão comprida… o cabelo tão desleixado… e, no entanto, devias estar feliz, estás a amar novamente (ou lá o que é que tu fazes que pensas que se assemelha a amar…)

Tudo isto para dizer que ainda me dói. Tu não sabes, não tens como, porque quando decidi retomar a rotina que nos cruza, resgatei o rosto que queria que visses: sereno e imperturbável, sorridente e inacessível. E, às vezes, penso que encaras o meu comportamento como uma vingança, a pior, porque é uma das mais doces… e penso que te obstinas nesse silêncio fechado, vingando-te também...
If only you knew how little you had to revenge…
(Sarah, em The End of Affair)

Foto: Num sótão de memórias vãs, de Paulo César

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O mundo, hoje, está mais bonito

(Mensagem recebida às 10:26, enviada por F.):

Após 20 h de trabalho de parto, 11 das quais sem anestesia, a S. fez nascer o T., rapaz de 3890g e 53 cm. O mundo, hoje, é um lugar ainda mais belo.

O F. e a S. protagonizam uma das mais bonitas reais histórias de amor que conheço. Não é uma história de paixão assolapada, com picos de dor e de angústia, seguidos de reconciliação idílica e frenética. É a história de um amor tranquilo, feito de cumplicidade, de companheirismo, de serenidade e sentido de humor. É a história de um amor que cresceu, simplesmente crescendo, fortificando-se a partir dos obstáculos que foi capaz de integrar em si. É a história de um amor que hoje e, seguramente, amanhã deixa o mundo de todos os que os conhecem mais belo, mais sereno e mais forte.

O F. é uma pessoa muito ponderada e reservada. Aproximarmo-nos, como amigos, foi um processo lento e gradativo de pequenos, mas sólidos e irreversíveis passos. Reza a lenda, porque ele não é de contar estas histórias na primeira pessoa, que o F. partiu para Itália há 7 anos, na companhia da namorada de outros tantos anos. Lá chegados, a moça concluiu que eram muito-novos-e- tal, que deviam conhecer-outras-pessoas-e-mai-não-sei-quê. Reza a lenda que o F. ficou destroçado, à sua maneira, uma maneira contida, uma maneira reflexiva de quem se (des)constrói com a dor que o assola. Fiel aos seus objectivos (mais fiel do que qualquer outra pessoa que conheço) prosseguiu com a senda académica que o tinha levado a Roma, frequentando as aulas de mestrado e cursinhos quejandos. Nessas lides, conheceu a S., uma finlandesa linda (que, apesar de não se acreditar, fala um português quase perfeito, apenas traído pelo enrubescimento das suas faces brancas). Ambos estavam em Roma de passagem, e o fim dessa estadia poderia ditar o fim de um romance que mal tinha começado. Aliás, penso que o mais provável seria justamente esse destino, o fim. Quem os conhece sabe que são daquelas pessoas cujas certezas não se diluem em distâncias geográficas, culturais e emocionais. Alimentaram e alimentaram-se de um amor à moda antiga, feito de cartas, feito de ausências e de inabaláveis saudades, feito de planos e da alegria antecipada de os fazer. (Recordo umas férias em Odeceixe, em que todos os dias o F. se retirava para escrever um postal com destino finlandês. Recordo o olhar partilhado entre amigos, quando tal acontecia, um olhar que dizia eu também quero amar assim um dia, um dia eu também quero amar todos os dias num postal de verão).
Os anos de cartas e de afastamento deram lugar a opções mais sérias. Tendo obtido a bolsa de doutoramento, o F. partiu para se instalar com a S. num apartamento de 50 m2 em Helsínquia. Visitei-os uma vez e também aí, desejei aquela felicidade partilhada num apartamento exíguo, numa cidade hirta e estranha, com uma grande janela com vista para um jardim. Agora, eles estão cá. O F. está a dar aulas numa Universidade. A S. tem uma licença de maternidade (daquelas à Estado-Providência). Durante 2, 3 anos podem traçar alguns planos de estadia geográfica, a partir desse limite já não é possível. Mas, isso não assusta o meu amigo, porque ele sabe, naquele seu modo que lhe é tão característico, de emoção traçada a régua e esquadro, que estará e irá com o seu amor, um amor tranquilo, discreto, pouco vistoso, mas que é de uma força avassaladoramente poderosa.

Bem vindo, T. não poderias estar em melhores mãos, não imagino melhor abraço, melhor beijo, melhor colo para cresceres.
Foto: "Flor nas Flores", de João Viegas.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Adaptações livres

"(...) Too much work will kill you
It'll make your life a lie
Yes, too much work will kill you
And you won't understand why
You'd give your life, you'd sell your soul
But here it comes again
Too much work will kill you
In the end... In the end."

Nunca me senti tão grata por estar completa e absolutamente assoberbada em trabalho. Um grande bem haja a todos os bem-intencionados que este mês decidiram pedir-me tudo e mais um par de botas, destaco com particular carinho as candidaturas para o POPH, com todos os seus pontos omissos, regulamentos e formulários lacunares.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Os re-começos no fim


Há dias em que não sei o que é mais difícil...

Se um fim que se precipita, num movimento centrífugo que arrasta o que se viveu, que draga o que se vive e que suga tudo o que se prometia viver...

Se a sofreguidão de um novo começo, num tortuoso caminho pautado pelo ritmo da tentativa, erro, tentativa, erro...

Foto: "Vertigo", de a.tomic

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Ignorância isolada

No outro dia, saiu-me:

Moi: (...) ah e tal, vou por no meu blog.
Amigo L: Tu tens um blog?!?
Moi: Sim, mas...
Amigo L: E qual é?
Moi: Oh! Não te vou dizer...
Amigo L: Não me vais dizer?
Moi: Noops.
Amigo L: Porquê? É pornográfico?
Moi: Não, é muito pessoal. É assim mais terâpeutico. É quase um diário, percebes?
Amigo L: Mas, eu sou o teu amigo íntimo. Tu contas-me tudo.
Moi: Pois és. Mas, ainda assim, eu não te conto tudo.
Amigo L: Humpf!
Moi: (a dar beijo) Não chora bébe. Um dia destes, eu digo-te... Olha, entretanto, diz-me uma coisa, como é que eu faço para por no blog...
AmigoL: (ainda despeitado) Blog, qual blog? Aquele que é um diário público para toda a gente que não te conhece, menos para mim, que sou teu amigo? Não sei, não faço a mínima ideia como é que se faz! (amuo fingido e ignorância real, ele também não sabia o que eu queria)

Em suma, não dá para perguntar a ninguém quais são as funcionalidades desta choça e eu sou muito azelha com estas cenas da internet. Estive a mexer nas definições e, de repente, apareceu um lápis e um envelope no fim dos posts e num sei mesmo para que servem...

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Chuva de verão e Sol em pleno Inverno

"Podemos ser amigos simplesmen...te
Coisas do amor nunca mais
Amores do passado, do presente
Repetem velhos temas tão banais
Ressentimentos passam como o vento
São coisas de momento
São chuvas de verão
Trazer uma aflição dentro do peito.
É dar vida a um defeito
Que se extingue com a razão
Estranha no meu peito
Estranha na minha alma
Agora eu tenho calma
Não te desejo mais
Podemos ser amigos simplesmente
Amigos, simplesmente, e nada mais.

Podemos ser amigos simplesmente
Amigos, simplesmente, nada mais"

("Chuvas de Verão", Caetano Veloso)

Bom, por acaso, não podemos nada ser "simplesmente" amigos, até porque ser amigo não tem nada de simples. Mas, é bom poder respirar novamente e começar a ser capaz de sorrir e receber com alegria os raios de sol com que este dia de Inverno me presenteia, desprendendo-me de ressentimentos inúteis, despegando-me de ti...
Mim muito contente com mim própria!

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

O meu buraco na areia é aqui e tem vista para uma ponte


"Tens de falar com ele! Fala com ele ou cava um buraco na areia e grita tudo o que vai aí dentro. Aí, sabes que é o fim, que morreu e poderás, finalmente, despedir-te e fazer o teu luto" (Palavras sábias, de sábias amigas)


Tentei fazer o que me disseste T., legitimei por decreto a SMS como meio de comunicação. Até escrevi mesmo a SMS. Mas, não é por acaso que ela incorpora Short no nome e o que eu tenho para dizer, por muito sintetizado que seja, é Long, too Long... Na verdade, é demasiado longo porque excede o número de caracteres definido e demasiado extenso porque extravasa a capacidade do meu receptor.


Uma coisa eu sei: eu não sou esta gaja neurótica, triste e amarga obcecada pela descoberta do que te poderá magoar (e acredita que aqui, em pensamento, já me ocupei a imaginar situações que nem ouso mencionar - comecei a perceber melhor a semente dos crimes passionais que ocupam as parangonas do 24Horas e do Correio da Manhã). Eu não sou isso, eu sou aquilo que eu quiser que tu acredites que eu seja. Eu vou ser capaz de te desejar, com um sorriso doce nos lábios, que encontres tudo o que tu procuras, que tenhas tudo o que tu mereces, que colhas tudo aquilo semeaste. Eu vou dizer-te adeus, agitando ternura na ponta dos dedos.


Vou cavar aqui o meu buraco na areia e libertar-me deste grilhão de ódio e de raiva que ainda me liga a ti, em breve, muito breve...
(Foto: "Ponte por um canudo" de Nuno de Freitas)


terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

In dubio pro reo???

Para mim, as relações humanas (de amizade, de amor, de cariz profissional, etc.) baseiam-se inabalavelmente no pressuposto da confiança. Este é o alicerce a partir do qual é possível construir tudo o resto.
Os últimos acontecimentos têm-me levado a ponderar se tenho por hábito precipitar esta infraestrutura. Naturalmente, não se trata de de desatar a confiar cegamente num primeiro momento em todas as pessoas que me são apresentadas. Mas, a verdade é que muito rapidamente assumo que, por princípio, a outra pessoa está comigo de boa fé, assumo que a outra pessoa é verdadeira naquilo que me diz. Em suma, pode-se dizer que adopto, na gestão dos meus contactos sociais, o princípio jurídico da pressunção da inocência. Ou seja, até me ser provado o contrário, eu acredito, acredito no Outro.
A arquelogia histórica das minhas emoções evidencia que não foram muitas as situações em que "transitou em julgado a condenação dos arguidos". Contudo, sempre que tal aconteceu, senti essa prova como um rude e cruel golpe na estrutura de confiança que dera como incorruptível. Nestas situações, não perdoo, não sou magnânime. Sou intrinsecamente humana e visceral. Gravo essa situação na pele, na carne, petrificando esse acto impuro. Costumo dizer, que a confiança é como a virgindade. Assumindo que cada relação é única, original e nova, caminhamos virgens nesse trilho até tal estado ser irreversivelmente corrompido. E, aí, para mim, já nada é possível fazer...
Pergunto-me se conseguiria moderar esta postura pós-quebra-de-confiança, alterando o pressuposto inicial das relações. "És culpado, vil, traiçoeiro e cobarde, até me provares o contrário"?
Foto: "Fragmentação" de Margarida Amaral

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Quando imitamos a vida...

Há momentos em que só é mesmo possível imitar a vida, estar no palco e desempenhar os papéis prescritos.
Ainda não consigo escrever sobre a minha recente descoberta a teu respeito. A dor que, sem saberes e, também por não a saberes, me causaste no sábado é tão vil, tão cruel, tão animal que ainda opera como uma rocha que impede que o que eu sinto seja vertido em palavras.
Ainda assim, sei que quero continuar a acreditar e sei que com o tempo hei-de voltar a sentir que acredito. É uma promessa...
Imitation of Life
What is love without forgiving?
Without love, you’re only living
An imitation, an imitation of life.
Skies above in flaming color,
Without love, they’re so much duller
A false creation, an imitation of life.
Will the sound of the lark sound half as sweet
Would the moon be as bright above
Everyday would be gray and incomplete
Without the one you love
Lips that kiss can tell you clearly
Without this our lives are merely
An imitation, an imitation of life
.
(Música: Sammy Fain, letra: Paul Francis Webster,interpreção: Earl Grant)

Nota: Produto da inusitada incursão cinematográfica domingueira.
Não Esquecer: Analisar a possibilidade de processar a Universal Studio pela disseminação de produtos nocivos à gestão adulta da saúde emocional. Se "fumar mata", o vício de acreditar que assim se pode amar também. I'm an incorrigible addict...

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Lust and caution, porquê?

Não consigo dissociar os filmes da experiência contextual do seu visionamento. Não é nada de novo. Pelo contrário, é a velha e estafada questão epistemológica do sujeito e do objecto, da direcção e da primazia relacional que entre eles se estabelece.
Posto isto, fui eu (sujeito), mais o meu amigo L. e toda a minha actual circunstância-neura-descompensada-esquizofrénica-inaturável - etc., relacionar-me com o dito filme (o objecto).
Não levava grandes expectativas (ao contrário do que aconteceu com o Expiação, grrr, fraquinho, fraquinho).
O cenário histórico conduz-nos à China, nos anos 30/40, durante a ocupação japonesa. Respira-se, ao longo de todo o filme, um ar ideologicamente pejado da forja dos nacionalismos, das resistências, dos poderes e das contradições. Mas, falando inevitavelmente disso, Ang Lee opta por contar uma outra história. Uma história que nasce neste contexto e que, portanto, não lhe é alheia, mas uma outra história. Uma história de amor em tempo de guerra.
Há um grupo de jovens estudantes que decide envolver-se na contenda que envolve o seu país. Há ali uma ingenuidade pura, comandada pela força obscura e incipente do nacionalismo que se afirma nessa altura. Há, nesse grupo de jovens, um que se destaca dos restantes, como líder natural, pelo brilho presente nos seus olhos quando incita os demais a tomarem partido e a comprometerem-se com a causa da resistência. É pelas palavras e por esse brilho que a jovem Wong Chia Chi é inicialmente arrebatada. Em nenhum momento ela expressa as suas convicções políticas sobre a realidade na qual pretende intervir. Ela move-se pela força da emoção e da paixão. Assim, acede a participar numa peça de teatro para angariar fundos para a causa. E é como actriz que irá continuar a actuar, quando o grupo de jovens rebeldes decide armar uma patranha para assassinar um destacado membro da divisão japonesa, o Sr. Yee .
Ela entra, então, nesse jogo, nessa actuação. Nesse teatro invísivel, ela é a Sra Mak, mulher de um empresário que se aproxima, do círculo em que o sr. Yee se move, com o intuito de o seduzir, atraindo-o para uma armadilha fatal, preparada pelos seus companheiros.
É possível amar e, consequentemente, detestar este filme por inúmeras razões. Aquilo que fixou a minha atenção e a minha reverência a este objecto, prende-se com a noção de jogo que ele põe a nu. Wong Chia Chi, a protagonista, é uma jovem mulher que procura a transcendência a substância da sua vida num amor, num grande amor, daqueles à hollywood, que tudo podem e tudo vencem, com orquestra, glamour, beijos e lágrimas... (aliás, é possível em, pelo menos, dois momentos do filme, encontrar Wong Chia Chi em frente a uma tela a preto e branco, debulhada em lágrimas). Este desígnio é buscado em Kuang Yu Min, o colega e jovem líder universitário. É a ele que Wong pretende alcançar e é com ele que ela se vê durante muito tempo a protagonizar as cenas de amor a preto e branco que tanto a comovem. Como é que ela o faz? Dando-se completamente à causa que ele defende, entregando-se de modo inabalável ao que ele admira e persegue. Para o fazer, ela envereda num estratégico e bem delimitado jogo de sedução com o inimigo a abater, o sr. Yee. E, aqui, é que reside, para mim, o enorme fascínio deste filme: na fímbria da emoção e da razão, na relação antagonista entre a lúxuria que a arrebata e a contenção que o compromisso prévio lhe exige. É magistral o modo como esse processo nos é dado a ver. Wong, outrora uma jovem mulher a quem bastavam as imagens num ecrã, depois as palavras inflamadas de um jovem com olhos brilhantes, sucumbe à força dos actos do inimigo declarado, desmorona-se perante a imensidão do seu corpo entregue e comandado por outro, rende-se, quando percebe que esse corpo já não é seu, é da paixão, do amor que finalmente preencheu a sua vida.
Ainda em reflexão: Wong cede ao amor, salvando a vida do seu amado e perdendo a sua. Yee, que havia já cedido por permitir-se amar, rigidifica-se doridamente, matando a amada. Será que mata também o amor?

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Processando

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Informação ainda em processamento, mas, definitivamente, belo, belo, belo, muito belo, BELÍSSIMO...



quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Irritações que ainda não passaram

Sabemos que o limiar da insanidade está próximo quando começamos a acreditar nas mentiras que deliberadamente construímos.
Não consegui vir trabalhar de manhã. Ontem, não te evitei. Cruzámo-nos nos tempos habituais, como se tudo estivesse normal. O dia estava lindo e, pensando que não me cruzaria contigo (ou se calhar, alimentando a secreta esperança de que tal acontecesse), ousei colocar um vestido e prender o cabelo (adoravas ver-me de vestido e com o pescoço desnudo...) E, não sei... Não sei se por estar sol, se por ter um vestido, se por não te ter evitado (tal como me acusaste de o fazer)... acho que pensei que tudo isso fizesse diferença... achei que ias ligar, que finalmente vinhas ter comigo... Eu sei que é tolo, mas era isso que secretamente esperava e foi isso que objectivamente não se passou. Foi tão difícil regressar a casa sem um sinal teu. Foi tão angustiante confrontar-me com as expectativas pueris que construí durante o dia. Adiei até ao limite a hora de me deitar e, consequentemente, fui transferindo de modo sucessivo a hora de me levantar. Hoje não te queria ver, sabia que hoje não te queria ver e queria que tu soubesses que hoje eu não te queria ver. Inventei um mal estar nocturno para justificar a minha ausência no emprego de manhã. E o que é estranho é que tenho passado o dia a chá, evitando café e comida com gordura, porque estive "mal" durante a noite. É a insanidade tornada facto...
Irrita-me o tempo que teima em não passar ao ritmo a que gostaria de te esquecer. Irrita-me o pouco empenho que as actividades diárias me exigem, não me permitindo tirar-te da minha cabeça. Irrita-me as centenas de conversas imaginadas que já tive contigo. Irrita-me sentir que os meus passos se encontram condicionados pela busca forçada do não te ver. E nesse esforço de não te encontrar, deparo-me constantemente contigo. Irrita-me sentir que não controlo e não influo em nada do que rodeia. Irrita-me não saber o que pensas, o que sentes. Irrita-me o medo que me assola antes de ir dormir, os momentos cheios de ti, quando me enrolo longamente nos lençóis na esperança vã de adormecer automaticamente, de não sonhar contigo e desejar acordar numa manhã mais limpa, em que tudo se repete, mas de uma forma cada vez mais desfocada e longínqua, menos dolorosa e sofrida. Para quando?

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

4ª feira de cinzas

O "encontro" com o Seu Jorge deu-se por acaso, numa das promoções da FNAC. Chamava-se Cru e ficou a repousar na estante dos CD's até o espírito pedir novidade. Não foi amor ao primeiro ouvido, nem ao segundo, mas a paixão crescia a cada nova rotação. Ia descobrindo pormenores na letra, na composição, na tonalidade burilada daquela voz negra e fumada.

O Natal trouxe de presente a parceria gravada ao vivo do Seu Jorge com Ana Carolina (disco já antigo e particularmente conhecido pela música "É isso aí" - uma versão The Blower's Daughter do Damien Rice, celebrizada no filme Closer). Este é o disco que, desde então, me acompanha nas auto viagens diárias. Não se gosta logo de todas as músicas com a mesma força, vai-se gostando... um dia de uma, no outro dia, percebemos o sentido da outra e amamos, and so on.

À hora de almoço uma colega brincou com a carne que eu comia, contrariando os preceitos católicos deste dia. Foi, então, que me ocorreu que hoje é 4ª feira de cinzas e isso lembra-me o Vestido Estampado (letra da Ana Carolina):

Acabou, agora tá tudo acabado
Seu vestido estampado
Dei a quem pudesse servir
Agora que eu não posso mais caber em ti

Não quero te ver
Dizem que você não quer mais me olhar
Como velhos desconhecidos
Se você não me escuta, eu não vou te chamar

O amor que eu dei, não foi o mesmo que eu vi acabar
O amor só mudou de cor, agora já tá desbotado
Corra, lá vem a tristeza atirando pra todos os lados

Pegue o vestido estampado
Guarde pra um carnaval
Guarde, que eu nunca te quis mal
Até o feriado, quarta-feira de cinzas e tá tudo acabado

As cinzas simbolizam o carácter perecível, passageiro, transitório, efémero e frágil da vida. Assinalam a possibilidade de conversão e de transformação. Gosto de pensar que as cinzas do que penso, do que sinto e do que faço alimentarão um interminável ciclo de fértil mudança. Outro tempo começa sempre nas cinzas de um tempo que terminou, banhado de esperança pueril e de certezas num horizonte que não se alcança.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

O mito do efémero retorno

Encontramo-nos casualmente. Aliás, vivendo nesta cidade e tendo em conta o confinado circuito em que nos movemos, o que é estranho é não esbarrarmos um no outro mais vezes. Cumprimentei-te, mas não fazia tenção de alimentar conversa. Tinha-te enviado uma mensagem em Novembro que apenas pedia uma informação profissional. Não respondeste e pensei, "ah, ok, não sabia que nos encontrávamos neste patamar de desentendimento, mas tudo bem!". Contigo, aprendi a não estranhar o desinteresse, a clausura e o autismo social em que é possível alguém a estruturar a sua vida.
Para enviar essa mensagem tive de pedir o teu número a uma amiga comum (tenho o hábito de higienizar a minha lista telefónica, apagando números de telefone que não tenciono utilizar). Soube que te incompatibilizaste com essa amiga durante uns meses. Esta saída, em que nos cruzámos, e onde ela estava, marcava a vossa reconciliação e, consequentemente, a tua tomada de conhecimento da mensagem que te havia enviado.

Gostei que tivesses dissipado o mal entendido. Gostei do esforço explicativo a que te propuseste, afirmando não ter recebido essa mensagem, porque estavas fora. Gostei que tivesses afirmado que, não obstante tudo o que se passou, poderia contar contigo sempre que precisasse. Mais, confesso que gostei de te ouvir dizer que sentias saudades minhas e que achavas que isto (de termos deixado de falar) não fazia sentido. Simplesmente, devias ter ficado por aqui. Devias ter entendido que quando chutei para canto anotar o teu novo número de telefone, isso significava o meu limite. O limite traçado em torno de uma existência pacífica e cordial sempre que o acaso nos juntasse neste pequeno burgo. Só isso.

Embriagado pela carência emocional e etílica que às vezes te assola, decidiste ultrapassar essa fronteira e prosseguiste, invocando um passado que já não tem o mínimo sentido corporizar-se em palavras. Decidiste partir há quase quatro anos, sem uma explicação plausível. E eu não ta pedi. E tu, não tens a mínima ideia do que significou para mim avançar daquele ponto sem coordenadas em que me deixaste. Mas, como é evidente, avancei. Prossegui há muito tempo. E hoje, sei que a diferença não residiria nos argumentos que tu invocasses para terminar a relação. Hoje, eu sei que o que teria feito alguma diferença teria sido testemunhar da tua parte a existência de um esforço explicativo para o fim que desejavas, só isso. Não faz sentido, depois de todo este tempo, afirmares que há uma justificação que não me deste e que estás disposto a dar, claro, unicamente se ta pedir. E eu não peço aquilo de que não careço, aquilo não me faz falta.

Vertendo este encontro e a minha experiência contigo para o meu presente, há algo de positivo. Verificar a minha plena e completa indiferença à tua inesperada presença, quando durante muito tempo apenas pressenti-la me faria disparar de ansiedade e arritmia. Perceber que é sempre quem nega ao outro o que este lhe pede que mais tarde se encontra ainda incompleto e ainda periclitante.

Por isso, sei que isso também irá acontecer contigo, C. Sei que chegará um dia em que deixarás de assaltar o meu pensamento nas mais diversas circunstâncias. Sei que chegará um dia em que a tua presença não influirá na minha. E, desconfio, que se insistires em recusar a hipótese de diálogo que te pedi, poderás ter dificuldade em fechar a porta que entreabrimos.

Foto: Plastic Wind, DDiArte

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Oscilações


Oscilo. Entre a carapaça construída de razão e de legitimidade, que me permite analisar as coisas como elas são, e que me indica um caminho de afastamento, que explicarei aos outros invocando os "factos". E entre um corpo de emoção rasgada e de ferida latente, que me remete para o infinitamente potencial universo dos "ses", e que me impele para o teu colo, para o teu ombro, para o abraço onde todos os outros desaparecem e os factos somos só nós, juntos, indissoluveis.


Só porque é a carapaça que se encontra visível, não significa que o corpo não esteja lá dentro.